sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Aversão a ser retratada



Bete Tezine, Autorretrato, 2012.
Bordado sobre fotografia, 35 x 45 cm.



Quando olho meu retrato o que vejo?
Viajo nas lembranças de um tempo,
reminiscências perdidas, fugazes
que ficaram lá atrás, não voltam.
Olho um retrato que não retrata minha alma
apenas registra uma triste calma
de alguém que não viveu tudo que queria
[...]

(Retrato da minha alma, Suelydam)




            Sempre tive repulsa por ser fotografada, fujo das câmaras o máximo que posso, sendo que as imagens que me refletem são aquelas das quais não tenho como fugir, ou aquelas sobre as quais não tenho controle.
        Talvez, as reflexões do personagem de Luigi Pirandello, Vitangelo Moscarda, protagonista de Uno, nessuno e centomila, traduzam as minhas inquietações ao contemplar minha imagem em um retrato fotográfico:

         Se, para os outros, eu não era aquele que, até agora, acreditara ser para mim, quem eu era?
         Vivendo, nunca tinha pensado na forma do meu nariz; no corte, se pequeno ou grande, ou na cor dos meus olhos; na estreiteza ou na amplidão da minha testa, e assim por diante. Aquele era o meu nariz, aqueles os meus olhos, aquela a minha testa: coisas inseparáveis de mim, nas quais, levado por meus negócios, tomado por minhas ideias, entregue a meus sentimentos, não podia pensar.
         Mas agora pensava:
E os outros? Os outros não estão dentro de mim. Para os outros que olham de fora, minhas ideias, meus sentimentos possuem um nariz. Meu nariz. E possuem um par de olhos, meus olhos que eu não vejo e que eles veem. Que relação existe entre minhas ideias e meu nariz? Para mim, nenhuma. Eu não penso com o nariz, nem me ocupo com o nariz, quando penso. Mas os outros? Os outros que não podem ver dentro de mim minhas ideias e veem de fora o meu nariz? Para os outros as minhas ideias e o meu nariz têm tanta relação, que se aquelas, digamos, fossem muito sérias e este por sua forma muito esquisito, começariam a rir.


             Devo dizer que, ao ser fotografada, eu me sinto, de certa forma, como os índios de algumas tribos que não se permitem ser fotografados por acreditarem que terão a alma roubada. Sinto-me violada na imagem que tenho de mim que, de forma alguma, é compatível com a imagem refletida na fotografia.

              Assim, por bem poucas vezes me permiti ser fotografada, foram poucas as vezes em que posei para a câmera fotográfica, nunca espontaneamente, mas apenas no cumprimento de alguma obrigação social ou por imposição legal (fotos 3x4 para documentos).
              Talvez, seja tudo isso o que sustenta essa minha aversão a ser fotografada; talvez seja um conflito interior que se instalou, inconscientemente, em algum momento do início da minha existência ou, talvez, seja um conjunto de todos esses fatores. Porém, chega um momento da vida em que somos obrigados a enfrentar certos traumas e, para mim, esse momento chegou em forma de uma enfermidade, a Escleros Múltipla.


Um beijo carinhoso!



P.S.: O texto dessa postagem é um trecho da monografia do meu TCC - Trabalho de Conclusão de Curso, da graduação em Artes Plásticas, cujo tema foi Autorretrato.


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