domingo, 27 de outubro de 2013

Não sou perfeita, mas, e daí?

Bete Tezine, Autorretrato, 2013.


Da Perfeição da Vida 
Por que prender a vida em conceitos e normas? 
O Belo e o Feio... O Bom e o Mau... Dor e Prazer... 
Tudo, afinal, são formas 
E não degraus do Ser!


(Mario Quintana)



De repente, acordei numa manhã ensolarada de domingo,  me dando conta de que eu era uma pessoa completamente diferente da que foi dormir no sábado a noite, dopada de tantos analgésicos.
Simplesmente, dormi uma e acordei outra. Não sei exatamente o que houve, mas, se for verdade que durante o sono nosso espírito se desprende do corpo e sai em busca de novas experiências, o meu, durante essa noite que passou, viveu algo que o transformou completamente.
Sim, acordei com pensamentos diferentes no que se refere a mim mesma.
Por anos a fio eu denegri a mim própria: sou gorda, minha inteligência é limitada, doente, incompetente, instável... Era essa a imagem, mesmo que eu não assumisse para os outros, que eu tinha de mim mesma.
Meu corpo, de quase 46 anos, não é mais o mesmo de quando eu tinha 25. Ele ganhou contornos arredondados até demais (não precisava de tanto rsrsrsrs), ganhou vários quilos, mas, e daí? E daí que não sou mais a mulher de 20 anos atrás? A mulher que causava admiração e olhares de cobiça? E daí???? O que importa é o que eu sou agora, pois é esse corpo que minha alma habita e, muito provavelmente, habitará até o dia da minha morte física.
Nunca fui um Einstein em inteligência, mas, e daí? E daí que nunca dominei as ciências exatas e fui capaz de resolver problemas mirabolantes? O que importa é que aprendi o básico e o essencial para saber me comunicar decentemente, me expressar da melhor forma possível, ter sensibilidade suficiente para perceber quando erro e me retratar por isso. O resto, não me importa mais.
Sou doente. Mas acordei hoje percebendo que sou apenas uma doente do corpo, pois minha alma está sã, minha mente está sã, muito embora eu quase as tenha contaminado pelo meu desamor por mim mesma. Tenho Esclerose Múltipla que realmente limita meu corpo. Vez ou outra, como agora, se rebela e acaba por me bombardear com corticóides que me arredondam ainda mais (rsrsrsr). Meu corpo está enfraquecendo, mas, e daí? Eu não sou apenas um corpo, sou muito mais que isso. Sou uma mente, um coração, um espírito e, esses, a Esclerose Múltipla nunca vai tocar porque eu não vou deixar jamais. 
Depois que deixei de exercer qualquer atividade remunerada, passei a me achar a mais incompetente de todas as mulheres. Mas hoje eu descobri que a última coisa que sou é incompetente. Tive de deixar meu trabalho por conta da fragilidade física, sim, mas não deixei de ser esposa, mãe, cozinheira (é certo que não mais com tanta assiduidade), administradora do lar e etc etc etc e, isso, por si só, já é motivo mais que suficiente para que eu receba tudo o que eu preciso para minha subsistência sem me sentir culpada por não ser eu mesma a conquistar.
Instável? Sou sim, mas muito menos do que eu imaginava ser. Tenho meus momentos de choro, de tristeza infinita, mas, também tenho momentos em que consigo trazer alegria aos outros que precisam de mim. Então, e daí que não consigo sorrir o tempo inteiro? Mesmo porque, quem consegue? Saudáveis ou não, todos têm seus dias escuros.
Hoje, eu acordei decidida a não deixar mais que essa visão deturpada de mim mesma prevaleça ditando as regras da minha vida. Eu sou humana, tenho defeitos incontáveis, mas sou real, sou gente e, como tal, tenho direito a erros e acertos, a risos e lágrimas, por isso, nunca mais, mas nunca mais mesmo, vou me permitir me autodepreciar e, muito menos, me deixar ser depreciada por outros como muitas vezes me permiti ser. Não sou perfeita, mas, e daí?

Beijos ensolarados nos corações de todos!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Amores e amigos eternos...





Aprendi que amores eternos podem acabar em uma noite, que grandes amigos podem se tornar grandes inimigos, que o amor sozinho não tem a força que imaginei.

(Shakespeare)







Hoje, durante minha consulta neurológica, minha médica me perguntou como eu andava emocionalmente, pois um dos fatores desencadeantes dos surtos de Esclerose Múltipla era o estresse emocional. A esse questionamento dela eu falei, superficialmente, dos problemas pelos quais passei recentemente. Ela me ouviu e proferiu a seguinte frase: o nosso problema é pensar que amores e amigos são insubstituíveis, que se perdermos um grande amor ou uma grande amizade, jamais encontraremos um novo amor ou um novo amigo, quando na verdade nada é definitivo. No mundo existem mais de 7 bilhões de pessoas, então não é possível que não encontraremos um outro amor ou um outro grande amigo.
Saí do consultório pensativa. Voltei para casa com essa fala ecoando na minha mente e percebi que ela está certa no que disse, por mais que à primeira vista possa parecer que não.
Quantos amores eternos já passaram por nossas vidas?
Quantos melhores amigos, hoje, são apenas uma pálida lembrança?
Quantas vezes pensamos que se aquele grande amor não ficasse em nossa vidas jamais seríamos capazes de amar novamente?
Quantas não foram as ocasiões em que pensamos que nunca mais confiaríamos em alguém como confiamos naquele melhor amigo?
Posso dizer que foram diversas as vezes em que vivenciamos essas situações e, por mais que tenhamos sofrido, por mais que tenhamos mergulhado no fundo do poço da nossa dor pela partida de um grande amor ou a perda de uma grande amizade, sempre acabamos por emergir de volta à superfície, despedaçados, é verdade, mas capazes de recolher nossos cacos e montar nosso próprio quebra-cabeça de novo.

Beijos reflexivos!

terça-feira, 15 de outubro de 2013

É primavera, outra vez...

A primavera sempre virá
Bete Tezine, 2011.
Colagem sobre fotografia, 25 x 35 cm.







Aprendi com as primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre inteira.


(Cecília Meireles)












É primavera, outra vez... Não consigo entender bem minha estranha relação com esta estação do ano, mas sei que ela mexe comigo de todas as formas possíveis. Não há primavera que chegue e me deixe como estava. Eu sempre passo por metamorfoses nesse período e, esse que se iniciou há pouco, não está sendo uma exceção.
A primavera de 2013 chegou e me pegou em meio a diversos conflitos emocionais, me pegou fragilizada outra vez, o que escancarou as portas para a Esclerose Múltipla sabotar minhas defesas e se apossar de mim impiedosamente. Sim, estou em surto. Ganhei novas lesões no cérebro como presente primaveril, um verdadeiro presente de grego, mas, é assim que essa malvada age, sempre. 
Há quase duas semanas estou prostrada, de cama, sentindo meu corpo perder, dia-a-dia, as defesas contra os desmandos da Esclerose Múltipla. São tantas vertigens, fraquezas musculares, tremores internos, desequilíbrios, que chego a pensar que desta vez ela está prestes a me vencer. 
Outro dia, ouvi de uma pessoa que não tem Esclerose Múltipla e que nunca me viu pessoalmente, principalmente em dias como estou hoje, que eu sou dramática, que faço da minha vida uma novela, tudo porque jamais escondo o que sinto, não disfarço medos, tristezas, dores, angústias, alegrias, esperanças... sou transparente, mas isso nem sempre é visto com bons olhos, na maioria das vezes é interpretado como forma de autopromoção ou de autovitimização. 
Se isso me incomoda? Por momentos, até que sim, mas depois eu penso que a opinião alheia não interessa, muito menos daqueles que não sabem exatamente quem eu sou e nem convivem, de perto, com uma doença tão imprevisível e debilitante quanto a que tenho. Então, eu tento deletar esse tipo de comentário e seguir minha vida da maneira mais adequada às minhas reais necessidades.
Bem, voltando ao meu surto primaveril, devo confessar que estou realmente amedrontada, pois, nenhum dos outros que tive anteriormente, me deixou tão debilitada quanto este. A falta de energia é tão grande que digitar este texto está sendo um verdadeiro teste de resistência física. Minhas pernas estão se recusando a me levar aonde preciso ir, minha mente está cansando de pensar, meus olhos cansando de enxergar... falar está sendo exaustivo, fico ofegante, me perco no meio da frase, as palavras dançam na minha boca. Confesso, que de todos os medos que a minha companheira já me proporcionou, este está sendo o mais latente de todos. 
Como é difícil ver sonhos sendo arquivados sem possibilidades de realizações. Como é frustrante ter de abrir mão de partes da nossa vida sem ter sido nos dado a chance de escolha. Como é complexo carregar conosco uma enfermidade muitas vezes invisível aos olhares externos, mas que nos incapacita, debilita, amedronta e extenua covardemente. Hoje, muito mais que em outros dias, essa sensação está aflorada, talvez pela data (dia dos professores), talvez por estar olhando o mancebo, repleto de roupas dependuradas, no canto do meu quarto, e eu não ter forças para colocá-las de volta no armário. 
É muito difícil para quem não vivencia a Esclerose Múltipla, seja como portador, seja como alguém muito próximo, entender a real dimensão do que ela provoca em nós que a carregamos, por mais que haja boa intenção.
Então, para os que compartilham da opinião de que assumir os próprios medos e deficiências é fazer drama, deixo um recado: não é falta de otimismo, não é fraqueza, não é autopromoção, não é se fazer de vítima, mas, apenas, minha condição de vida como portadora de uma doença incurável, progressiva e imprevisível que vocês jamais entenderão de verdade. 

Beijos fadigados no coração de todos!

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Memórias de infância...

Minha primeira comunhão em 1977
( eu tinha 10 anos nesta fotografia)







As lembranças da infância são eternas - Fantasmas permanentes, selados, assinados, impressos, sempre visíveis.

(Cynthia Ozick)











Tenho tido falhas de memória. Palavras me escapam no meio de uma fala, comecei a trocar os nomes das pessoas, não lembro onde guardei objetos, esqueço datas de aniversários (coisa que eu nunca fiz até algum tempo atrás), porém, existem algumas lembranças da minha infância e início da adolescência que estão bem vivas, ainda, dentro da minha mente e espero que continuem até o fim dos meus dias.
Eu tinha apenas 3 anos quando meu avô paterno faleceu, no entanto, lembro nitidamente dele sentado sobre um tronco de árvore no fundo do quintal, em meio às verduras que ali cultivava, com sua boina xadrez, fumando cachimbo com o olhar preso às nuvens, pelo menos era o que eu achava enquanto o observava de perto. Lembro do seu bigote farto, dos seus cabelos negros e lisos e da sua pele amorenada pelo sol. Essas são imagens que jamais se perderão, pois eu a desenhei na minha mente com tinta a prova d'água e de Esclerose Múltipla.
Meu irmão tinha cerca de 1 ano quando teve uma grave desidratação e precisou ficar hospitalizado por alguns dias. Naquela época, não existia lei que dava o direito à mãe de ficar com o filho no hospital, então minha mãe ia visitá-lo todos os dias. Trago muito nítido o dia em que ele voltou para casa de alta médica, ele chegou com tanta fome, deve ter estranhado a alimentação do hospital, que minha mãe passou vários minutos dando bolachas molhadas no leite na boca dele. Eu ria de alegria por ele estar de volta. Eu tinha 4 anos quando isso aconteceu.
Minha irmã nasceu quando eu tinha 5 anos. Me recordo que estava na casa da minha avó, brincando com meu irmão que na época tinha 2 anos e um vizinho mais ou menos da minha idade. Estávamos no quarto quando minha avó, apoiando-se no batente da porta, disse alegremente: o bebê nasceu, é uma menina. Passaram uns dias, para mim naquela época foram meses, minha mãe voltou do hospital com minha irmã no colo, toda embrulhada, parecendo um pacote e essa visão eu nunca esquecerei.
Poucas crianças, na década de 70 frequentavam a pré-escola. Foi assim que, em 1975, aos 7 anos de idade, eu fui segurando na mão da minha avó para o meu primeiro dia de aula. Eu ainda não tinha uniforme, então estava com um vestido listrado de amarelo e branco, com botões dourados e bolsos na frente. Nos pés eu calçava uma "legítima havainas" (rsrsrsrsrs) e levava um caderno, um lápis e uma borracha em uma sacolinha de papel. Na hora do recreio, como chamávamos o intervalo para o lanche naquela época, eu comprei um pão doce e uma fanta uva na cantina da escola, me sentindo o máximo. Foi um dia marcante demais na minha vida e, também, está gravado a tinta aqui dentro da minha memória.
Nunca fui boa em matemática, mas, não sei o que aconteceu quando eu tinha 10 anos, que fui considerada a melhor aluna da escola e fui para as olimpíadas de matemática da minha cidade. Eu não ganhei o prêmio, no entanto, durante os dias que antecederam a prova final,  tive muitas regalias em sala de aula (rsrsrsrsrs): fiquei isenta de fazer lições de casa, não precisava fazer cópias, nem quando a sala inteira teve de escrever 100 vezes que não devia jogar papel no chão eu precisei cumprir o castigo. Isso também é uma das lembranças que serão perpétuas, tenho certeza.
Quando eu tinha 11 anos, minha mãe engravidou do meu irmão caçula. Ele nasceu 4 dias antes de eu completar 12 anos e, daquele dia em diante, eu deixei de ser criança. Troquei as bonecas por um bebê de verdade, pois aprendi a dar banho, trocar fraldas, dar mamadeiras e me tornei a babá do meu irmão. Um ano depois, assumi o sustento da casa, mas isso eu já contei em outro post.
Hoje, ao procurar uma fotografia minha de quando criança, fui tomada por uma nostalgia que me trouxe à tona todas essas recordações.  Essas são as lembranças mais marcantes da minha infância, porém, tenho muitas outras, algumas já pálidas, outras ainda bem vivas, algumas alegres, outras tristes, mas cada uma delas é um pedaço do começo da minha história como pessoa. É um ponto na colcha de retalhos da minha vida...

Feliz dia das crianças para todos nós que seremos eternas crianças!

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A dor não mente...


A dor não mente
a dor escraviza
martiriza
tiraniza
fazendo feridas no corpo e na alma.

A dor não mente
a dor grita
dor maldita
que ressuscita
lembranças há muito sepultadas.

A dor não mente
A dor nos vence por nocaute
causando blecaute
na razão
embaçando a visão.

Dor, pra que dor?
Dor, pra que tanta dor?
Dor, por que tanta dor?
Dor, o que causa dor?
Dor, dor, dor, dor...

A dor não mente
A dor é o corpo (ou a alma)  que se ressente
por uma enfermidade demente
que se torna latente
e para a qual analgésicos já não bastam...


Beijos...

P.S.: Há dias estou atravessando a pior crise de dor de cabeça que já tive em toda minha vida, alguns médicos dizem que é enxaqueca, um outro disse que pode ser fibromialgia, mas, a verdade, é que até agora não houve analgésico capaz de domar essa dor lancinante que está quase me enlouquecendo.