quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A Esclerose Múltipla na minha vida: uma carreira de disfarces



Agora é o tempo
Agora é agora
É agora a nossa hora
Não disfarce mais
Não diga mais nada
Não relute
Se entregue
Se leve
Pelo andar da carruagem
Deixe acontecer
Agora nessa hora
Nenhuma outra hora
[...]

 (Agora, Sandro Sansão S. Costa)



Meu relacionamento com a Esclerose Múltipla iniciou-se, hoje sei, muitos anos antes de eu saber quem ela era. Sentia sua presença, é bem verdade, mas não podia dar-lhe nome, forma ou delimitar seus contornos.
Inicialmente, ela esgueirou-se junto a mim, sem fazer qualquer ruído. Rastejou, camuflou-se, disfarçou-se em outras anomalias, tudo a fim de fixar sua presença ao meu lado, sem que eu pudesse notá-la.
De início, ela resolveu mexer com minha cabeça, fez com que ela ficasse zonza, no ar, como se tudo flutuasse ao seu redor, o chão ficava longe, perto, longe, perto, longe, perto....Foi confundida, então, com labirintite. Esse foi o seu primeiro disfarce.
Ela o usou por diversas vezes, haja vista que percebeu que tinha conseguido, com ele, se manter incógnita junto de mim.
Depois, quando percebeu que já estava levantando suspeitas, fantasiou-se de uma doença ocular. Instalou-se no meu olho direito e, com uma agulha qualquer, brincava de perfurar minha retina. Quanto sofrimento ela me causou nessa época. Investigaram meus olhos, puseram holofotes, fotografaram, escanearam, de tudo fizeram, mas, ardilosa como é, quando viu que corria o risco de ser desmascarada, deu logo um jeito de sair de fininho, deixando meu olho dolorido, mas a tempo de ser salvo das sequelas que ela queria lhe impingir.
Assim, abandou também esse disfarce e partiu para um novo ataque, resolvendo que agiria, agora, camuflada em uma doença circulatória. Nossa! Quanta dor me provocou. Quantas vezes deixei de andar por não suportar o que ela fazia com minhas pernas. Mas, quando procurei ajuda médica, me examinaram e nada encontraram, vascularmente, que pudesse me causar todas aquelas dores.
Desse modo, ao ver que também não tinha conseguido atribuir a outra enfermidade a responsabilidade pelo que estava fazendo a mim, buscou outra forma de se aconchegar ao meu lado, sorrateiramente. Resolveu, então, que andaria dependurada em mim, ou agarrada às minhas pernas, misturando-se comigo, para que, quem olhasse de fora, pensasse que éramos apenas uma. 
Ela me fez ficar tão exausta suportando o seu peso, que minhas forças se esvaíram e eu não conseguia mais realizar minhas atividades diárias. Esse foi o seu pior e mais maldoso disfarce, pois, ao se fundir comigo, fez com que eu fosse tida como uma pessoa portadora da "síndrome da preguiça crônica", pois, quando olhavam para mim, como ela não era visível a ninguém, viam apenas eu, ou seja, alguém que visualmente e clinicamente não apresentava nenhuma anomalia que pudesse justificar tamanha falta de energia. Assim, davam-me vitaminas, estimulantes e olhares de censuras.
Sem dúvida nenhuma, esse foi o disfarce que ela usou pela maior quantidade de tempo, conseguindo, mesmo, manter-se incógnita sem levantar qualquer tipo de suspeita acerca de sua identidade.
Mas, como uma criança birrenta, se cansou do brinquedo e quis ousar um novo disfarce e, esse, foi o seu grande erro.
Tenho plena convicção de que ela, para criar sua nova alegoria, me observou fria e atentamente, analisando todo o meu corpo pra ver qual seria a melhor forma de continuar anonimamente ao meu lado.
Penso eu que, depois de muito concatenar, percebeu que poderia se aproveitar do fato de que possuo dez pinos e uma placa dentro do tornozelo esquerdo, herança de uma fratura resultante de uma queda anos atrás. Desse modo, primeiramente, adormeceu e aqueceu meu pé. Estranhei, fui ao médico, mas ele caiu na artimanha da minha companheira, atribuindo aos pinos a responsabilidade pela anomalia.
Ah! Isso para ela foi motivo de festa, pois até que enfim havia conseguido atribuir a outrem o mal que me causava. Assim, empolgou-se de tal forma, que lhe foi impossível ater-se apenas a meu pé, resolvendo subir mais um pouquinho e assim o fez. 
Quando acordei no outro dia, minha perna inteira também estava acalorada e adormecida. Voltei mais uma vez ao médico que, novamente, foi ludibriado por ela, pois continuou atribuindo aos pinos a responsabilidade por tal anormalidade.
Se ela já havia feito festa anteriormente, agora vibrou, pulou, cantou, dançou, fez de tudo e, na ânsia de querer mais, resolveu que subiria mais um pouquinho. Então, acordei no outro dia com a metade esquerda do tronco aquecida e dormente. Retornei, mais uma vez, ao consultório médico que tentou, ainda, atribuir aos pinos a responsabilidade de tal proeza, fazendo conjecturas a respeito de um nervo que passava pelo tornozelo e irradiava por todo o lado esquerdo do meu corpo, provocando tais sintomas. 
Porém, desconfiei do diagnóstico, pois além da perda da sensibilidade, comecei a sentir desequilíbrios, descoordenação motora e dores neurológicas. 
Esse foi o fim da sua carreira de disfarces e camuflagens para fazer parte da minha vida. Ela foi desmascarada, pois, ao não se contentar com o que tinha, buscou me fazer sofrer cada dia mais, fazendo com que eu, aos poucos, fosse me apercebendo de sua presença, me afastando alguns centímetros da fusão que ela promoveu e ai foi quando ela ficou visível, também, ao olhar de outro alguém, Dra. Maria Cristina B. Giácomo, que a diagnosticou.

Um beijo aliviado.


5 comentários:

  1. Excelente texto,como sempre vc é ótima parabéns!!!
    sou seu Fã rsrsrs!!

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  2. Obrigada! Sinto-me honrada com suas palavras. Apenas deixo que minhas inquietações aflorem sobre o papel.
    Beijo

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    1. nunca imaginamos que as coisas acontecem conosco e quando acontece parece que o mundo acabou,dai temos que viver as ralidades dos preconceitos,hã se os Homens soubessem amar mais.

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  3. ola!!
    li seu blog e dou-lhe os meus parabèns pela maneira como descreveu esta doença que é tao pouco conheçida,revi-me nessas palavras,porque comigo foi exatamente assim,só ao fim de muitos surtos é que descobriram a esclerose multipla e é assim mesmo,aprendemos a viver com mais tempo para nós e a ouvir os sinais que o nosso corpo pede..
    Mas o importante é nao desistir,se um dia tá chuva,noutro dia já brilha o sol..
    beijinho aqui de portugal fica com Deus
    ..Laura

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  4. obrigada, querida Laura, por suas palavras, me sinto honrada!

    Beijos aqui do Brasil

    Bete

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