terça-feira, 10 de março de 2015

Esclerosadas...



Eu já disse uma vez que esclerosar é algo muito além de desenvolver Esclerose Múltipla, pois esclerosar é um verbo de inúmeras conjugações, envolvendo emoções, reinvenções diárias, superações, recomeços e mais uma infinidade de sintomas físicos e emocionais. Esclerosar envolve a alma e não apenas o corpo.
Sendo assim, se o ato de esclerosar, por si só, já é algo complexo demais para qualquer ser humano, o que dizer de ser uma mulher esclerosada? Isso, ser um ser humano do sexo feminino que, além da doença, carrega consigo o estigma, muitas vezes pejorativo, de ser o sexo frágil. 
Perdoem-me homens esclerosados, pois não estou a desmerecer os sofrimentos e as dificuldades impostos a vocês pela enfermidade autoimune, mas, além de sermos mais facilmente acometidas por ela, portanto somamos a maior parcela de esclerosados, temos alguns agravantes que nos levam a ter momentos muito, mas muito complicados mesmo, na nossa caminhada lado-a-lado com a Esclerose Múltipla.
Nós menstruamos mensalmente e, por conseguinte, temos TPM (tensão pré-menstrual), temos TDM (tensão durante a menstruação) e TPM (tensão pós-menstruação), ou seja, vivemos em função das flutuações hormonais que a idade reprodutiva nos impõe. Temos cólicas que mais parecem que estamos parindo um filho por mês. Temos oscilações emocionais que nos levam a comer barras e barras de chocolate e a chorar vendo um comercial de margarina na TV. Nossa intolerância ao calor é exacerbada quando menstruamos pelos hormônios à flor da pele e, quando entramos na menopausa, o calor atinge níveis insuportáveis. 
Esclerosamos mas continuamos mães, esposas, filhas, irmãs, profissionais e tantas outras funções que vamos acumulando no decorrer das nossas vidas e que, o ato de esclerosar, acaba por tornar muito mais árduas as realizações de cada uma delas. Dispendemos, muitas vezes, energias que não temos mais de onde tirar, mas como somos mestres em nos doar inteiras, damos um jeito e arrumamos forças para um constante recomeçar.
Por tudo isso e, como esclerosada que não teve energia suficiente para terminar este post no dia internacional das mulheres, pois minhas mãos se recusaram a continuar digitando, mas como nosso dia deve ser todos os dias, quero desejar a cada mulher esclerosada: parabéns por serem tão fortes e não desistirem nunca!

Beijos no coração de cada uma de vocês!


domingo, 1 de março de 2015

Uma longa trajetória...




Um dia você acorda com dores tão fortes nas pernas que não tem como deixar de ir ao médico. Lá você tem suas pernas examinadas e ouve: não há nada que justifique estas dores, mas, se quiser secar os vasinhos, basta ver o valor e marcar com a recepcionista. Você sai frustrada do consultório e sem qualquer diagnóstico. As dores vão, voltam, vão voltam, as idas aos médicos se repetem e nada de saber o que te provoca as dores...
Outro dia você acorda e o mundo inteiro gira ao seu redor, seus pés parecem que flutuam, você balança de um lado pro outro sem ao menos sair do lugar. Agora você vai ao neurologista, ele te pede um exame otoneurológico e você depois de fazê-lo volta vomitando pelo caminho, sentindo a cabeça rodar insanamente e as tonturas vão a níveis insuportáveis. O resultado não detecta alterações, mas te medicam para labirintite mesmo assim. Passados alguns dias você melhora, mas vez ou outra a tontura volta, o ciclo se repete, vários neurologistas e nenhum solicita uma ressonância magnética. As tonturas vêm e desaparecem mesmo sem tratamento...
Numa madrugada você acorda com dores fortíssimas no joelho, amanhece, você vai ao ortopedista e ele te engessa a perna inteira. Diagnóstico: tendinite. Outra madrugada, dores nas mãos, mesmo ortopedista, mãos engessadas. Diagnóstico: tendinite. Outro dia, dores pelo corpo inteiro, tiram o gesso, te mandam para o reumatologista, bateria de exames, nada alterado, você perambula por onze especialista e ninguém te diagnostica. Quatro meses de cama, sem andar, até que aos poucos as dores cessam e você vai retomando a rotina, mesmo que a cada dia com mais dificuldade e sem saber o mal que te afeta...
Você dorme a noite inteira e acorda pior do que quando se deitou. Se arrasta diariamente para sair da cama. Faz um esforço sobre-humano pra realizar as tarefas diárias. Começa a ser vista como preguiçosa, dramática e outros adjetivos nada agradáveis. Idas ao médico novamente. Diagnóstico: carência de vitaminas e sedentarismo. Você se entope de vitaminas, se matricula numa academia, vai um dia e fica sete quase imóvel de tanta fadiga. Seu corpo não responde aos comandos do cérebro, mas você vai além dos seus limites, até que se vê obrigada a desistir das aulas de musculação e voltar ao sedentarismos por exaustão física e emocional...
Diante de tantos sintomas, você não consegue mais ficar longe da depressão, pois seu lado emocional vive numa gangorra, oscilando entre as dores, a fadiga, a incompreensão e o não saber o que te acomete. Você tem uma crise emocional e no hospital o médico te diz que tudo o que você sente é psicológico e, para te derrubar de vez, te manda ler a bíblia que você vai melhorar. Você sai de lá pior que chegou e procura um psiquiatra que te passa antidepressivos e você, ao ingeri-los, se sente um pouco melhor, mas é só um paliativo, pois o corpo continua igual...
Até que um dia você acorda e acredita que teve um AVC, seu lado esquerdo está sem sensibilidade, mas dói, sua perna não obedece aos seus comandos e você, terrivelmente assustada, volta ao hospital. Diagnóstico: inflamação na região dos pinos que você possui no tornozelo. Recebe receita de anti-inflamatório e mais nada. Nenhum RX sequer foi feito. Os dias passam, a medicação não faz efeito algum e a perda de sensibilidade divide seu corpo ao meio. Cinco médicos te examinam e reafirmam o diagnóstico inicial até que o que operou seu tornozelo descarta a possibilidade ortopédica e te encaminha para um neurologista...
Chega o dia da consulta e você acha a médica maluca, afinal, você está com o corpo dormente, sem coordenação na perna e ela te pergunta se você enxerga direito e se urina normalmente. Mas, pouco tempo depois você entende o porquê de tantas perguntas, pois você recebe o diagnóstico de Esclerose Múltipla e, junto com ele, medo e alívio. Medo pelo futuro, alívio por acabar, ao menos em tese, as perambulações pelos consultórios e hospitais. 
Isso tudo que descrevi foi minha trajetória até descobrir o mal que me acometia. Durou certa de uns 18 anos aproximadamente. Verdade, se passaram pelo menos 18 anos desde os primeiro sintomas até o diagnóstico há 3 anos. 
Não foi nada fácil, vivi momentos de desolamento profundo, de dores imensuráveis, de desespero mesmo. Mas sobrevivi e estou sobrevivendo a cada dia. Por isso, quando ouço que tenho de ser forte, que não posso desistir, que devo olhar ao redor pra ver quantos estão em situações piores que eu, eu só tenho como resposta que, se diante de tudo o que vivi até saber o que tinha, eu não desisti, por que iria desistir agora que sei exatamente quem é meu oponente nessa batalha que a vida me deu?

Beijo corajosos!