sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Quando somos diferentes...





"Tempo difícil esse em que estamos, onde é mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito."

(Albert Einsten)



Ontem, conversando com um amigo que possui deficiência física visível, estando ele num daqueles dias em que nada dá certo nas nossas vidas, notei em seu semblante um total desalento com a forma com que o "mundo" trata os diferentes, os desiguais, os que convivem com limitações físicas...


Tanto se fala em inclusão, em quebra de preconceitos... tudo muito bonito na teoria, mas quando vivenciamos na prática qualquer deficiência, seja ela visível ou não, o que vemos é o quanto somos discriminados,  colocados de lado, deixados à margem dos que se julgam acima das diferenças. 

Quando a deficiência é invisível, como no meu caso, o preconceito se manifesta ao lançarmos mão de direitos que temos assegurados em leis, como uso de vagas e filas preferenciais, já, quando a deficiência é visível, o preconceito se mostra ao nos excluírem completamente dos grupos, sejam de trabalho, de estudos ou sociais... podem negar o quanto quiserem, mas só quem vivencia isso sabe a exata dimensão do quanto o preconceito ainda está presente em nossa cultura, infelizmente.

O ser "especial" afasta muitas coisas das nossas vidas, passa um filtro, só faz permanecer aqueles que realmente nos envolvem com amor, compreensão e apoio. Os pseudo amigos vão se retirando um a um e, o que de início parece ser uma grande perda, no fim se mostra ser um ganho imensurável porque não precisamos de quem não está disposto a permanecer ao nosso lado, não demonstra vontade alguma de segurar nossas bengalas quando precisamos liberar nossas mãos, ou, de empurrar nossas cadeiras quando os braços estiverem cansados e não derem mais conta de as impulsionar sozinhos... não precisamos de pessoas que só enxergam o que nosso exterior demonstra, que não nos veem por dentro, não entendem que nossas dores, do corpo e da alma, precisam apenas de um sopro, de um antisséptico que vem direto do coração daqueles que realmente se preocupam e querem ficar ao nosso lado, independente da nossa utilidade na vida deles...

Que bom seria se o ser humano fosse como os elefantes que não abandonam um dos seus quando ele adoece, que o ajuda a permanecer em pé, o apoiando, o acompanhando a cada passo, dando-lhe a tão necessária dignidade para que, quando chega o momento de deixar a manada, possa partir desse mundo de pé, com a certeza de que foi amado até o fim dos seus dias, independente da sua condição física.

Um beijo reflexivo no coração de todos...

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Surtar e recomeçar...


O tempo. Bete Tezine, Caneta sobre papel, 2015.



Não, tempo, não zombarás de minhas mudanças!
As pirâmides que novamente construíste
Não me parecem novas, nem estranhas; 
Apenas as mesas com novas vestimentas.

(Shakespeare)


Minha relação de amor e ódio com o Rebif se iniciou em 01 de abril de 2012, exatos 2 meses após o diagnóstico de Esclerose Múltipla e, até dezembro passado, apesar dos nosso tapas e beijos, ele estava me protegendo (claro que a seu modo todo peculiar!), dos ataques mais agressivos da minha companheira indigesta.

Entre o começo das aplicações e novembro de 2014, foram 3 surtos leves, sem necessidade de pulsoterapia, pois os corticoides orais deram conta de colocar a EM para dormir e me deixar praticamente sem sequelas.

O rebif sempre me deu efeitos colaterais desagradáveis, é verdade, mas em conjunto com minha neurologista decidimos que ainda era o melhor para mim, afinal, eu estava sendo protegida por ele.

No entanto, no fim de dezembro, bem próximo ao natal, veio um surto mais intenso e eu, pela primeira vez, pulsei por 3 dias e depois tomei 2 meses de corticoides orais, pois novos sintomas do surto apareceram 5 dias após a última sessão.

Eu inchei, me enervei, acelerei, despertei, esfomeei, mas, até que foi tranquilo, achei que o fantasma, como muitos outros, era pior que a face real das altas doses de cortisona na veia.

Em abril, por conta da intensidade do surto, deixei de tomar o Rebif 22 e passei para o 44. Fiquei um pouco apreensiva pelo aumento da dosagem, pois achava que as reações poderiam ser mais fortes, todavia, quanto a isso nada mudou, continuei como ficava após cada aplicação. 

Comecei a desinchar, a dormir, a colocar a draga que nasceu no meu estômago para dormir também, a voltar a caminhar com mais segurança, quando, menos de 1 mês após a mudança da dosagem, fui surpreendida por um novo surto. Um susto, um medo latente, uma insegurança, um terror disfarçado de coragem, uma incredulidade, um turbilhão de sentimentos se mesclando, alternando, me deixando instável quando ouvi que teria de pulsar novamente e que teria de ficar internada para isso.

Ah! eu me recusei à internação, afinal, a pulso não foi tão ruim quanto eu imaginava ser e bati o pé dizendo que faria hospital dia, isso por 5 dias, pois foi a indicação daquela vez. Venci! Eu sou muito convincente quando quero, mas, antes tivesse perdido a batalha, pois dessa vez, além de todas as reações que tive anteriormente, minha pressão arterial resolveu pairar nas alturas, minha glicemia subiu e precisei de insulina (nunca fui diabética) e tive a pior crise de gastrite que acredito que possa existir na face da terra. Eu não dormi, não comi, chorei por dias e noites de dor, mas com os meses fui melhorando e o andar voltou a ganhar mais estabilidade, a cabeça parou de rodar tanto, os pensamentos ficaram mais concisos e, inocentemente, achei que tudo tinha voltado ao normal. Ledo engano...

Chegamos a setembro, primórdios da primavera, quando o inverno está se despedindo para dar lugar aos aromas e cores da nova estação e o Rebif, simplesmente, resolveu que se cansou de mim, pois eu surtei novamente. Desse vez, já dei a batalha por perdida e me internei para pulsar, foram 3 dias, com mais 15 via oral. Estou em casa, o estômago péssimo, os sintomas do surto ainda muito latentes, mas tive menos reações que da última vez, a pressão ficou sob controle e precisei de umas doses de insulina, mas nada muito assustador. Não fiquei insone, pois minha neuro deu um jeito de induzir meu sono com um medicamento e logo estarei bem, creio nisso.

Porém, o Rebif está com os dias contados na minha vida, pois é evidente que ele falhou terapeuticamente. Nos divorciaremos em breve. Em outubro, discutirei com minha neuro sobre qual será o tratamento mais indicado para o meu caso e começarei um novo relacionamento medicamentoso em novembro, pelo que tudo indica.

Se estou com medo? É óbvio, pois, embora o Rebif me deixasse quase doente com suas reações, eu já o conhecia intimamente, agora virá o novo e os seus "senãos", "serás?", "ses" e toda a gama de dúvidas que pairam sobre nós quando temos de encarar algo extremamente necessário, mas que nos faz sentir insegurança por não saber o que nos aguarda.

Medo sim, mas não falta de coragem para enfrentar o que vier pela frente, pois o que importa, de verdade, é deixar a Esclerose Múltipla adormecida, lá dentro do meu sistema nervoso, pelo maior tempo possível, colocar ela para hibernar sem tempo pré-estabelecido pra acordar.

Um beijo carinhoso!


terça-feira, 8 de setembro de 2015

Estou em reforma...



Chega um momento em que paramos e encaramos de frente que não dá mais para ficar como estamos. As gavetas estão abarrotadas de sentimentos, pessoas, sonhos, ideais, desilusões... estão tão cheias que pedaços de emoções transbordam e não nos deixam mais fechá-las.

O guarda-roupa está com as portas escancaradas, repleto de traças corroendo, lentamente, coisas que não nos servem mais, mas que por razões que na maioria das vezes nem mesmo nós sabemos quais são, não fazemos uma limpeza em seu interior a fim de abrir espaço para o novo, para o que nos dará motivação, energia, vontade de viver.

Os vestidos dos nossos sentimentos, dependurados em cabides enferrujados, estão fora de moda, cheios de buracos nas tramas dos tecidos, apertados, não nos vestem bem, mas por que então teimamos em mantê-los por perto, mesmo cheirando a mofo e imprestáveis para nossas vidas?

A sapateira dos nossos pilares de sustentação está lotada de sapatos com saltos quebrados, solas furadas, cadarços perdidos, fivelas partidas, mas, mesmo assim, teimamos em calçar colunas condenadas à demolição e tantas vezes somos lançados ao chão, derrubados sem piedade alguma, esfolando os joelhos quando damos sorte e, quando não,  fraturando ossos que nos deixam fora de combate por muito tempo.

Nosso jardim está repleto de ervas daninhas, fazendo definhar amizades que pareciam tão verdadeiras, mas que não resistiram às intempéries da natureza e murcharam. Algumas chegaram a morrer, mas por inércia não arrancamos o que não presta, revolvemos a terra, adubamos, semeamos, regamos os brotos que se transformarão em novas flores, novos perfumes, novas sombras.

Não dá mais para apenas olhar para nossa vida como um depósito de sentimentos, emoções, pessoas e relacionamentos que só trazem pontos negativos e nos faz estancar em nossa escalada pessoal.

Pode demorar, mas chegamos ao momento em que precisamos reciclar cada milímetro da nossa existência, esvaziando gavetas, guarda-roupas, sapateiras e replantando jardins. 
Pessoas que se transformaram naquela calça de moletom surrada, cheia de buracos, manchada de alvejante e que não serve mais nem para dormir, porque não nos aquece, enrosca nos dedos, impede nosso sono e por conseguinte nossos sonhos, precisam sem colocadas na lata do lixo, uma vez que nem para doação elas servem. Elas estancam nossas vidas, sufocam nossas emoções, destroem nossa autoestima... temos de nos livrar de cada uma delas. 

De cada calça, de cada camiseta de político que usamos aos domingos à tarde quando estamos largados no sofá, com um balde de pipoca e sofrendo por antecipação pela segunda que está por chegar; de cada meia sem par, furada, rasgada, que ficamos remendando na tola esperança de um dia reencontrar o par... temos de desapegar, renovar, reciclar...

Estou reciclando minha vida. Estou em um momento de reconstrução. Em busca de novos pilares, novos alicerces, novos sonhos, novas roupas, novos sapatos, novos canteiros, novos perfumes, novas meias, novos moletons... Estou enveredando por novos projetos, novas conquistas, novos sabores... Estou repintando as paredes, colocando sachês perfumados nas gavetas, matando as ervas daninhas, purificando relacionamentos...

Estou em reforma.

E é dessa minha reforma interior que nasceu o projeto da Associação de Pessoas com Esclerose Múltipla do grande ABC e região, que tantos amigos novos e antigos abraçaram comigo; é dela que a Arte voltou para a minha vida; é por conta dela que este Blog ganhou novas cores, novos formatos, novos contornos; e será por conta dela também que a Esclerose Múltipla, a cada dia que passa, embora com todos os contratempos que ela traz pra minha vida, tem se tornado, ao invés do vestido embolorado, com cheiro de naftalina, apertado e sem forma, em um acessório que quando eu preciso usar, por força das circunstâncias, me dá um  certo charme, porque, afinal, ela fez de mim uma diva. 

Beijos reciclados para todos os que estão reformando suas vidas!