quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Aceitação






A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranquilidade, querer com mais doçura.

(Lya Luft)



Quando da descoberta de qualquer enfermidade grave que nos acometa, passamos a vivenciar um real estado de luto. Luto esse que se manifesta por uma sequência de sentimentos que nos envolve, nos debilita, nos faz mergulhar em sofrimento para depois nos fazer emergir novamente para a vida, prontos para retomarmos do ponto onde paramos nossa própria história.
Choque, ansiedade, negação, depressão, hostilidade, raiva, adaptação, são sentimentos inquietantes que nos acometem para, ao final, nos levar à aceitação da doença que se instalou na nossa vida.
São emoções alarmantes, que mexem profundamente com nosso interior, mas que, embora estejam machucando no fundo da alma, resvalam em todos que nos são próximos, provocando, também neles, sofrimento e sensação de impotência por não poderem fazer nada além de ficarem ao nosso lado.
Todos esses conflitos interiores são absolutamente normais, compreensíveis e humanos. Viver o luto, chorar pelo luto, imergir nas próprias dores, fechar-se em si mesmo, retrair-se diante da enfermidade, tudo isso, nada mais são que reações esperadas e comuns a toda raça humana.
Porém, nada pode durar tempo demais. Nenhum desses sentimentos penosos pode permanecer indefinidamente ao nosso lado. Há tempo de dor, tempo de revolta, tempo de não aceitar... há tempo para tudo, entretanto, todas essas vivências, para serem consideradas saudáveis, devem nos levar, inquestionavelmente, à aceitação de nossa nova condição de vida. Cada um a seu tempo, cada um a seu modo, cada um da forma que lhe for mais fácil, mas a aceitação da enfermidade é o fator primordial para que possamos buscar a cura, quando esta for possível e, em casos de doenças incuráveis, buscar a melhor convivência possível com o mal que nos acomete.
Fechar aos olhos e negar indefinidamente não é o caminho para nos resolvermos com a nossa anomalia. Fingir que ela não existe só nos vai trazer mais sofrimento e dor. Ignorar sua presença só vai dar-lhe mais poder sobre nós, haja vista que ao se sentir desprezada ela se arma de mais força para nos subjugar aos seus caprichos, às vontades da criança mimada e birrenta que é. 
Por outro lado, também não é saudável voltar toda nossa atenção exclusivamente para a doença, não devemos supervalorizá-la, dedicar-lhe todo nosso tempo, esquecer que existe vida após o diagnóstico de uma doença grave. Infelizmente, a  vida não para para que possamos viver, exclusivamente, nossa enfermidade. A vida continua, as pessoas continuam. Apesar de parecer que o mundo desabou sobre nossas cabeças, o mundo não vai parar para que possamos recolher os escombros de nós mesmos.
Agora, falando por mim, eu vivi, sim, o choque, a ansiedade, o medo, a revolta... vivi tudo simultaneamente, intensamente, mas a adaptação veio rápida e, com ela, a aceitação, pois descobri, e isso me trouxe certa paz de espírito, que essa seria a melhor forma de evitar que virasse escrava da minha companheira de vida, a Esclerose Múltipla. 
Não a tornei o foco da minha vida, mas dou a ela a exata parcela da minha atenção que ela demanda, nem mais, nem menos, assim, tenho conseguido uma convivência relativamente pacífica com ela. Ela recebe de mim a atenção merecida e, em troca, me deixa continuar fazendo parte do mundo, com meus sonhos, minhas ideias e minha intensa vontade de viver.
Mas o meu tempo não é o mesmo tempo das demais pessoas. Então, eu não posso simplesmente cobrar de ninguém que aceite a EM da mesma forma que aceitei, tenho de respeitar cada um e estender minhas mãos, oferecer meu colo e meu apoio incondicional, pois a aceitação vem naturalmente quando somos compreendidos, acolhidos e respeitados nas nossas dores, medos e angústias.

Um beijo carinhoso... 

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Só por hoje....






Encontra ânimo na dor e no desafio. Nesta vida só nos são colocados à frente os obstáculos que somos capazes de ultrapassar.

(Augusto Branco)









Hoje, eu só queria te dizer que nada dura mais que o tempo necessário para, fazer de nós, alguém melhor do que fomos antes de tudo acontecer.

Hoje, só por hoje, eu queria ter o poder de tirar de você toda a angústia e todo o temor que estão afligindo sua alma, sem dó, sem piedade, sem trégua.
Hoje, eu quero muito te fazer acreditar que o tempo vai sanar o que hoje parece impossível de ser curado.
No dia de hoje, eu necessito poder levar até você um beijo afetuoso, daqueles que aquecem o coração e renovam a esperança na força que existe dentro de cada um de nós.
Só por hoje, eu queria muito poder me teletransportar para junto de você e te dizer bem baixinho: tudo vai passar, você vai ver.
É mesmo só por hoje, que eu queria ter o dom de fazer o tempo retroceder para que você pudesse evitar o que te levou a sofrer desse jeito.
Hoje, eu preciso muito ver um sorriso florescer nos seus lábios para que eu possa continuar a acreditar que sempre vale a pena viver, mesmo que isso signifique abrir mão das próprias escolhas.
Apenas por hoje, eu queria poder tocar suas mãos, envolvê-las com as minhas, olhar bem dentro dos seus olhos e dizer: estou aqui com você, nada de ruim irá acontecer, pois, não vou deixar, você vai ver.
Hoje, tão somente por hoje, eu necessito poder ficar ao seu lado, te afagar os cabelos e chorar com você todas as lágrimas que eu não puder conter, pois, o choro lava as dores da alma e nos faz emergir com as forças renovadas e a alma mais leve.
É mesmo tão somente por hoje, que eu queria ter o poder de te fazer crer que nada pode ser mais forte do que a força que traz dentro de você.
Hoje, apenas por hoje, vou deixar que minhas palavras se calem, que meu coração transborde de dentro de mim e que minha alma se encontre com a sua, em silêncio, mas na mais profunda comunhão, partilhando da sua dor e , trazendo de volta com ela, a maior parte de seus sofrimentos, deixando você mais leve para poder voltar a caminhar o seu próprio caminho.
Hoje, não somente por hoje, mas por todos os dias da minha vida, vou afirmar que você vai vencer, que você irá superar tudo o que hoje parece impossível, pois, conquistar o impossível você já sabe de cor.
Para você, campeão, vencedor, esta fé que te faz imbatível te mostra o teu valor....


Um beijo cheio de esperança no milagre da vida....


segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Redescoberta de mim

Bete Tezine, 2012



E redescobrir é tão bom. Dá pra ter tudo outra vez. Dá pra ter tudo de novo, novo de novo. Dá pra ter um começo e fazer diferente pra não ter, por um bom tempo, que lidar com o fim.

(Jéssica Taiza)







De tudo o que tenho vivido após a descoberta da Esclerose Múltipla, o que mais tem me surpreendido é a redescoberta do meu próprio eu, é a redescoberta de mim mesma, como mulher, como ser humano, como alguém que merece viver intensamente.

Durante a maior parte da minha vida eu vivi em função dos outros. Primeiro, minha família de origem desintegrou-se quando eu tinha apenas 13 anos, pouco mais que a idade que minha filha tem hoje. 
Eu começo a compará-la comigo e vejo o quão rápido fui forçada a amadurecer. Sou a mais de velha de quatro irmãos e, com apenas 13 anos, precisei trabalhar e assumir as despesas de casa.  Foi o meio de sobrevivência, pois, meu irmão mais novo tinha apenas 1 ano de idade, quando meu pai, simplesmente, achou que já estávamos criados, usando a palavra dele, na época, e que ele não tinha nenhuma responsabilidade mais de nos sustentar.
Foi, nesse momento, que eu deixei de ser criança e passei a ser a chefe da família. Triste assim.
Os anos passaram, o sonho de cursar uma faculdade ficou arquivado, a vida foi seguindo seu curso, meus irmãos foram crescendo, assumindo suas próprias vidas e eu me casei. 
Veio o meu primeiro filho e, deixei de lado as minhas vontades, para viver em razão daquela vida que saiu de dentro de mim. Depois, veio minha segunda filha e me dediquei, plenamente, aos dois.
Mas, mesmo vivendo intensamente a maternidade, consegui cursar dois cursos superiores e uma pós-graduação. No entanto, não consegui me realizar profissionalmente, pois, sempre precisei me dedicar a outros interesses, muitos deles, ou melhor, a grande maioria deles, não eram meus, eram interesses dos outros.
Assim, acumulando sonhos e um sem número de frustrações, descobri a Esclerose Múltipla junto a mim e, a partir de então, comecei a sentir uma urgente necessidade de replanejar a minha história.
Não é egoísmo, não é egocentrismo, nada disso, mas, resolvi retomar eu mesma como minha prioridade de vida. 
Não abandonarei, jamais, as minhas responsabilidades como mãe, meus filhos sempre serão minha vida, mas, resolvi dedicar, também, um pouco de atenção à mim mesma. 
Penso que com isso, vou se uma mãe melhor, uma mulher melhor, um ser humano melhor. Pois, só damos daquilo de que estamos repletos e, eu, agora que me reencontrei, estou repleta de alegria e contentamento, assim, posso dar àqueles que necessitam de mim, um pouco da minha alegria e do meu amor próprio que floresceram novamente.

Um beijo redescoberto!





domingo, 28 de outubro de 2012

Ressonâncias....


Bete Tezine.  Multiplicação da dor 
(Maquete projeto instalação), 2012.

             No último semestre do curso de graduação em Artes Plásticas, como proposta da disciplina de Evolução das Artes Visuais II, produzi um projeto de instalação, cujo resultado foi a confecção da maquete representada na imagem acima. Como justificativa do trabalho, escrevi o seguinte texto:

            Receber o diagnóstico de portadora de esclerose múltipla possibilitou-me dar nome aos diversos males que me afligem há anos. A doença autoimune trouxe com ela uma série de modificações em minha vida e, nem todas, foram para pior, apenas algumas são mais limitantes que outras.
            Tenho passado, nesses últimos meses, por constantes adaptações emocionais e físicas, tentando descobrir e compreender meus limites nestas duas esferas da vida e, isso, tem se refletido, inquestionavelmente, na minha produção artística e, como não poderia deixar de ser, meu projeto de instalação também é um retrato desse meu momento de vida.
            A esclerose múltipla me acompanha há muito tempo, hoje eu sei disso, todavia, ela esteve ao meu lado como uma companheira invisível, sempre me lembrando de sua presença sem, no entanto, me deixar vê-la por completo. Eu a sentia, mas não podia descrevê-la. Assim, quando foi possível descobrir seus contornos, descobri, também, que para mantê-la sob controle, dentro dos limites possíveis, seria necessário que eu me submetesse periodicamente a uma série de exames, sendo o mais importante deles a ressonância magnética – RM – do crânio e da coluna vertebral, pois, atualmente, esta é a ferramenta que mais auxilia os médicos no diagnóstico da enfermidade, haja vista que ainda não existe um exame que possa, por si só, atestar a sua presença.
            Dessa forma, é pelo exame de ressonância que se verifica o surgimento de novas lesões ou o crescimento das já existentes, tanto no cérebro quanto na coluna vertebral do portador. Trata-se de um exame demorado e, mesmo sendo teoricamente indolor, pelo tempo em que ficamos imóveis dentro da máquina e expostos a intensos ruídos, acabamos por sentir dores pelo corpo, além de fobias pela restrição a um espaço sufocante.
            Fiz minhas últimas ressonâncias, que duraram cerca de 2 horas, no dia 01 de junho de 2012 e, durante esse tempo, com a cabeça dentro de uma espécie de gaiola e com os ruídos a martelarem meus ouvidos, comecei a imaginar a possibilidade de existência de outro tipo de equipamento que pudesse captar as imagens do meu crânio de uma forma menos traumática. E foi assim que, naquele momento, idealizei meu crânio dentro de uma impressora que, com um simples toque de botão, começaria a imprimir, uma após outra, com extrema velocidade, as diversas divisões de meu cérebro nos filmes radiológicos.
 Ainda pensando no assunto, ao sair da sala de exames, resolvi materializar, em forma de instalação, esse meu desejo de tornar as ressonâncias magnéticas a que me submeterei constantemente em um exame menos desagradável e mais dinâmico.

Um beijo multiplicado por mil...

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Não tenha medo....





Não tenha medo
Lhe ajudo na travessia
Não sei nadar
Pra flutuar, basta a sua companhia

(Miltinho Edilberto)









Não tenha medo de que a vida não lhe traga coisas boas,
pois o que pode ser melhor do que o dom de viver?
Não tenha medo de pessoas que tentam te destruir,
pois ainda não sabe que é indestrutível quando crê em si mesmo?

Não tenha medo de viver um grande amor,
pois deixar de vivê-lo seria assumir uma vida sem cor.
Não se amedronte diante de situações das quais não tenha controle,
pois apenas nos é permitido ter controle de nós mesmos, nada mais.

Não tenha medo de coisas ínfimas,
por mais que possam te trazer sofrimento e dor,
pois nenhum sofrimento, nenhuma dor insana,
podem ser tão grandes quanto você quando aprender sobre a força que tem.

Não fique inerte quando não puder entender pessoas vãs,
pois, pessoas vãs, não foram feitas para serem compreendidas.
Mas, foram lançadas ao seu caminho para que aprenda 
o quanto você é maior que sentimentos fúteis e vazios de amor.

Nunca desista de viver um sonho seu
sempre que a vida lhe colocar cara-a-cara com ele,
pois, muitas vezes, essa terá sido a única oportunidade
de vivê-lo sem insegurança, sem reserva, sem medo de ser feliz.

Saiba que não deve ter medo de não sobreviver
às situações que parecerem cobrar muito mais do que pode dar,
pois você faz parte dos planos que alguém fez para a própria vida
e isso, lhe faz ser imortal, indestrutível e profundamente essencial.


Por fim, quando ainda sentir medo, pare por um instante e ouça a música Não tenha medo. Verá, que o seu medo, irá sair porta afora e te deixar livre para viver plenamente.


Um beijo para você que hoje está sentindo medo... não tenha, tudo vai dar certo, estarei em pensamento com você!


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Resgatando minha vida


Já discorri, em alguns outros posts, sobre o que a descoberta da Esclerose Múltipla provocou em minha vida. Já abordei, outras vezes, alguns aspectos negativos e, outros, positivos, da sua presença junto de mim.
Todavia, em uma análise mais profunda, hoje posso dizer e, isso me parecia completamente improvável nos primeiros meses após o diagnóstico, que os aspectos positivos de me descobrir portadora da enfermidade degenerativa e sem cura, já estão superando, em muito, o lado negativo de viver com ela.
Falo isso com plena convicção e na total ausência de qualquer demagogia. Não sou hipócrita, não sou demagoga, não procuro passar uma imagem que, na verdade, não é minha. Sou verdadeira, realista, de pé no chão e tenho procurado, a todo custo, me reconciliar com a vida, pois, eu e ela andávamos tendo alguns desafetos por conta da condição de carregar comigo uma companheira invisível aos meus olhos, mas, completamente tangível no restante de mim.
Posso dizer, com total segurança, que minhas desavenças com o meu próprio viver chegou a níveis assustadores. Me desiludi de tal forma comigo mesma, me desencantei, sobremaneira, com a minha condição de ser humano inserido superficialmente no mundo, que ficou difícil encontrar motivação para viver a vida de forma plena. 
Por isso, me deixei, apaticamente, ficar a ver a vida passar diante de mim sem que eu tivesse coragem de embarcar em sua boleia, sem que eu tivesse a ousadia de viver, plenamente, tudo o que ela colocava ao meu alcance.
Quantas não foram as vezes que me esquivei de vivenciar sonhos por não achar que era merecedores deles? Por quantas vezes não me acovardei diante de situações que exigiam de mim um pouco de insanidade? Daquela insanidade boa, que nos faz ter coragem para fazer coisas que não faríamos se estivéssemos no pleno domínio das nossas razões.
Não sei a resposta exata para esses questionamentos, porém, o que sei, é que me deixei ficar por tempo demais presa a situações que não me fizeram progredir como pessoa, que me deixei ficar inerte diante da possibilidade de resgatar um pedaço de mim que ficou atado a um mundo de ressentimentos e autocomiseração.
Assim, no instante em que recebi o diagnóstico de Esclerose Múltipla, emoções conflitantes emergiram aos turbilhões, escapando de dentro da redoma da minha alma, para alcançar dimensões minhas que jamais imaginei existirem.
É óbvio que sofri, é evidente que passei por momentos de extrema angústia e ansiedade por conta de não vislumbrar um futuro muito promissor. Não posso negar que, durante vários dias, tive por companhia apenas lágrimas e questionamentos ao meu próprio eu. Chorei demais, me afligi em demasia, me deixei estar envolta por um estado de alma que me fez duvidar da minha própria capacidade de superação.
Porém, depois desse período de inércia e de entrega voluntária aos meus sofrimentos, descobri que era possível que eu, mesmo como portadora de Escleros Múltipla, pudesse encontrar nova motivação para prosseguir na busca por minha firmação individual.
Então, emergi, agora sem nenhuma intenção de voltar a mergulhar, das águas turvas dos meus sentimentos inquietantes. Voltei à superfície e inspirei longamente.... senti o pulsar do coração da minha própria vida, que batia no compasso do meu voltar a existir.
Sei bem que ainda tenho um longo caminho para trilhar. Entendo que os progressos que obtive são ainda muito ínfimos diante da magnitude do que posso atingir. Mas, vislumbro um futuro promissor, no qual as lágrimas só rolarão nos momentos de extrema comunhão com o milagre da vida.

Um beijo carinhoso!





terça-feira, 23 de outubro de 2012

Apenas um desabafo







Porque há o direito ao grito.
então eu grito.

(Clarice Lispector)



Tenho andado cansada de explicar para o mundo que não estou depressiva.
Tenho andado exausta de comentários me dizendo que preciso ser forte, que preciso aceitar minha doença, que preciso ter mais fé.
Tenho sentido tristeza quando não sou compreendida em meu direito de expressar minhas emoções, sejam elas de alegria ou de angústia, não importa.
Me causa extrema melancolia a ditadura imposta aos seres humanos de se mostrarem sempre fortes e felizes em qualquer circunstância da vida. Sorriso nos lábios sempre, mesmo quando a alma chora. Não consigo aceitar isso.
Também, me causa profundo desapontamento, ouvir dizer que não devo levar a outros pacientes com Esclerose Múltipla a minha forma de conviver com ela. Me deixa decepcionada saber que seres humanos, como eu, tentam se esconder atrás de uma máscara de aceitação,  de alegria infinita e de superação, quando, na verdade, isso é apenas um disfarce para a negação, a tristeza e a entrega.
Não pretendo ser a dona da verdade. Não pretendo ser melhor que ninguém, nem mais forte, nem mais guerreira. Nada disso. O que pretendo, tão somente, é ser eu mesma, nada mais.
O que quero que entendam é que chorar não significa fraqueza. É que estar triste não significa estar deprimido. É que assumir uma dor não significa infelicidade.
O que almejo é fazer entender que dias escuros não significam blecaute da alma. É demonstrar que emoções contraditórias nem sempre são sinais de transtorno bipolar, mas, na maioria das vezes, são apenas flutuações de sentimentos comuns a toda raça humana.
Busco, com meus desabafos, mostrar para as demais pessoas que compartilham comigo das mesmas angústias, que assumir um medo não significa ficar refém dele. Que vivenciar o luto por uma perda não representa interiorizá-lo para sempre na nossa vida.
Sou intensa. Quando amo, amo de verdade, sem reservas, sem medo, sem ficar na defensiva. Quanto estou feliz, deixo que a alegria saia de mim e contamine o mundo ao meu redor. Quanto a luz ilumina meu dia, saúdo a beleza da vida com minhas obras repletas de luminosidade. Porém, quando estou triste, ferida, dolorida ou sem ânimo algum, minha luz se apaga, minhas mãos produzem, na escuridão do meu próprio eu, obras que refletem toda minha angústia interior.
Todavia, essa minha intensidade em me entregar às minhas emoções, não me tornam alguém à beira do suicídio, muito pelo contrário, faz de mim alguém mais sensível, de bem com a vida e buscando ser feliz, de verdade, não apenas através de uma máscara.

Um beijo no coração...


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Efeitos colaterais








Nem o melhor remédio do mundo 
fará efeito se você não o tomar. 

(Ben Stiller)







No inicio do mês de novembro, estarei completando oito meses de uso do Refib. Serão nada mais, nada menos, que 81 injeções que terei me autoaplicado em vários lugares do meu corpo. 
Terão sido 81 picadas.... 81 hematomas.... 81 dias de apreensão acerca das reações que as injeções me causariam.
A bem da verdade, essa apreensão começou assim que recebi o diagnóstico de Esclerose Múltipla e soube que necessitaria fazer uso do Rebif por tempo indeterminado. Foram dois meses de ansiedade, dúvidas, questionamentos, medo, solidão, dor e revolta.
Foi um período em que o choro rolou solto, em que as palavras ficaram presas na garganta e que o medo se fez presente como um fantasma a me rondar. Foram noites mal dormidas, dias longos demais e dúvidas que fervilhavam em minha mente sem cessar. Questionamentos interiores, autoanálise e reflexões acerca do futuro fizeram-se mais latentes nessa hora.
Foram dois meses entre o diagnóstico e o início do tratamento que pareceram durar duas décadas. A espera foi dolorosa, foi cercada de expectativas negativas, foi angustiante, na melhor acepção do termo.
Porém, por mais que o tempo tenha se arrastado a espera da chegada do medicamento, o dia da primeira aplicação chegou. Veio envolto em mistérios, em falta de coragem de apertar o gatilho do aplicador, em medo das reações ao medicamento, enfim, tudo o que remoí durante os dias em que esperei pela primeira picada, transbordou de dentro de mim e se extenuou na forma de um choro contido e de uma angústia velada.
E eis que  no dia 02 de abril de 2012, às 23 h, após um treinamento ministrado pela enfermeira do laboratório fabricante do Rebif e muitos minutos de hesitação, disparei o gatilho do aplicador contra meu braço esquerdo. Ouvi o clique. Senti a picada da agulha. Ouvi o barulho do líquido entrando em minha carne. Senti a dor dele se espalhando. Contei até dez vagarosamente. Tirei o aplicador. Pressionei o algodão sobre as poucas gotas de sangue que saíram da minha pele. E, chorei.
Chorei de alívio? Talvez. 
Chorei de medo da noite que estava por vir? Com certeza.
E o meu medo, minhas inseguranças, minhas expectativas negativas se mostraram bem reais, pois, mesmo tendo tomado um medicamento antes para diminuir os efeitos colaterais, eles vieram, em comboio, todos juntos, unidos, com toda a força.
Tive febre, o nariz congestionou, minha cabeça parecia uma bomba prestes a explodir.
No outro dia, a fadiga se aproveitou do meu corpo fragilizado e resolveu tomar posse dele também. 
Ah! como foi difícil aquele dia! Parecia mesmo que havia sido atropelada por um trator, daqueles tipo esteira, de tanto que meu corpo doeu e a fadiga me extenuou.
Depois da primeira aplicação, confesso que os temores aumentaram. Agora, os efeitos colaterais que tanto me assustaram durante a espera, tornaram-se reais. Eles não eram apenas fictícios mais, não eram apenas uma possibilidade, pelo contrário, eles vieram na forma mais palpável que poderiam se manifestar, eles se materializaram no meu corpo.
Porém, com o tempo, o fantasma foi sendo redimensionado dentro da minha mente. Foi diminuindo de tamanho, sua cara foi ficando menos tenebrosa e já não me assustava tanto.
Não vou dizer que os efeitos colaterais desapareceram por completo, isso não, porém, eles deixaram de ser tão unidos, deixaram de andar em carreata, agora, é cada um por si, um dia vem um, no outro vem o outro, depois vem outro ainda e, assim, quase sempre se revesam,dando uma trégua para uma boa parte de mim.
Hoje, posso dizer, que apertar o gatilho do aplicador passou a fazer parte da minha rotina. Acabou a ansiedade. Acabaram as expectativas ruins. Acabaram-se os medos. O Rebif está atrelado a mim agora. Ainda me causa algumas dores, mas, muito menores do que no começo quando ainda me estranhava e, portanto, nossa relação era tensa por demais. Agora, conseguimos nos entender, sabemos coisas um do outro, ficamos íntimos mesmo. Assim, vamos convivendo, pacificamente, na maior parte dos nossos dias.

Um beijo sem nenhum efeito colateral que não seja muito carinho...


domingo, 21 de outubro de 2012

Coisas que quero fazer antes de morrer...

Fátima Marques,  O sentido da vida...  o ritmo.







Feliz de quem atravessa a vida inteira tendo mil razões para viver.

(Dom Hélder Câmara)




Essa noite, tive insônia e, ao ficar acordada durante a madrugada inteira, comecei a fazer uma retrospectiva mental de tudo o que já vivi, até então, e do que ainda quero viver antes de morrer.
Analisei meu passado até onde minha memória alcançou e, percebi que, embora eu tenha vivido  momentos realmente mágicos, como a maternidade, por exemplo, eu não vivenciei, ainda, muitas das coisas que projetei para mim mesma.
Assim, mentalmente, fiz uma lista das trinta coisas que quero fazer ou modificar na minha vida antes de morrer, são elas:

1. Vou beber mais água de coco, pois, adoro, mas só bebo raramente.
2. Vou montar um quebra-cabeças de cinco mil peças, pois, até hoje, montei apenas de duas mil.
3. Vou viajar para a Europa, pois, quero conhecer as catedrais góticas e os museus.
4. Vou falar mais besteiras, procurar não ser sempre tão racional, pelo simples prazer de não ser nada além do que quero ser naquele instante.
5. Vou procurar ser mais útil àqueles que precisam de mim.
6. Vou aprender a comer mais devagar, mastigar lentamente e saborear intensamente os alimentos.
7. Vou sorrir mais para pessoas que não conheço.
8. Vou me preocupar menos com o futuro, uma vez que ele não pertence a mim.
9. Vou ser mais paciente com as situações que me estressam.
10. Vou rir mais.
11. Vou me preocupar menos com a opinião alheia.
12. Vou ouvir mais e falar menos.
13. Vou cantar mais músicas, mesmo que não tenha nenhum talento.
14. Vou usar um salto de 15 cm, nem que seja por 2 segundos apenas.
15. Vou fazer as pazes com meu corpo, deixar de ver tantos defeitos nele e focar nas qualidades, pois, embora não reconheça, sei que elas estão lá a espera da minha aprovação.
16. Vou assistir mais comédias, pois, rir, me aquece a alma e eu preciso muito dela aquecida para suportar os dias frios de inverno.
17. Vou escrever um livro, pois, mesmo que ele não saia do rascunho, já terá saído de dentro das minhas ideias.
18. Vou ter coragem de recomeçar a minha vida.
19. Não vou mais me obrigar a ficar em situações que me fazem regredir como ser humano.
20. Não vou mais deixar de viver um sonho por medo de me machucar.
21. Vou ser menos sensata de vez em quando.
22. Vou ter um jardim.
23. Vou aprender a andar de bicicleta.
24. Vou perder o medo de água ou, ao menos, vou tentar.
25. Não vou mais sofrer por antecedência.
26. Não vou mais me preocupar com coisas que ainda nem sei se irão acontecer.
27. Vou dar mais atenção às minhas próprias necessidades.
28. Vou dar mais crédito às minhas intuições.
29. Não vou mais me deixar abater por críticas destrutivas.
30. Vou ouvir mais a voz do meu coração.

Um beijo grande!


sábado, 20 de outubro de 2012

A arte de viver








A arte de viver é simplesmente a arte de conviver ... simplesmente, disse eu?
Mas como é difícil!

(Mario Quintana)








Viver é uma arte que poucos dominam. Penso, mesmo, que é a mais complexa de todas as expressões artísticas. 
Saber viver demanda esforço, criatividade, cumplicidade, compreensão em demasia. Demanda paciência, coragem, esperança e persistência em tudo o que se acredita.
Nossa vida é uma tela em branco e, como tal, podemos dar-lhe as cores e formas que quisermos, sejam elas iluminadas e alegres, ou, sombrias e disformes. À nossa tela, somos nós quem escolhemos que destino dar, somos nós que assumimos o comando do pincel e da paleta de cores que o destino reservou para nós.
Viver é bem mais que existir... é bem mais que  respirar... que acordar todo dia... que se alimentar... que cumprir as obrigações ditadas pela sociedade. Viver é muito mais que deixar se levar pela vida... é muito mais que deixar o tempo passar à espera de que algo aconteça e nos faça despertar.
Ter vida é acreditar que sonhos podem acontecer, é crer em milagres, é descobrir que podemos tudo o que quisermos, desde que acreditemos em nós mesmos.
Tomar posse da dádiva de viver é fazer nossas escolhas do modo que nos parecer melhor, é compartilhar de uma amizade verdadeira, é rir sem precisar de motivo, é poder jogar conversa fora com alguém que valha a pena, sem pressa, sem compromisso, apenas pelo prazer de papear.
Somos nós quem fazemos da nossa vida uma obra de arte ou um um projeto mal feito composto por garatujas incompreensíveis, rabiscos e nada mais. A vida pode ser a essência do Criador ou um esboço mal feito do que poderíamos e não ousamos viver.
Para terminar, deixo aqui o vídeo da música É preciso saber viver, interpretada pelos Titãs que, muito mais que minhas toscas palavras, expressa o que tentei dizer nesse post inteiro.



Um beijo repleto de vida!




sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Saudade sem fim...

Almeida Júnior, Saudade (detalhe)






Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração, escorre pelos olhos.

(Bob Marley)




Por mais que eu tente, não consigo compreender, como é possível que eu sinta tanta saudade de algo que não vivi.
Foge, à minha compreensão, a falta que sinto de alguém que não tive, a falta de palavras que nunca foram ditas, a ausência de um sonho que nunca sonhei.
Não posso explicar a dor que me traz a saudade que sinto de um tempo que não foi meu, a saudade de momentos que nunca existiram no mundo real, pois, se algum dia fizeram parte da minha vida, foram apenas na minha imaginação.
Tenho vivido de saudades. Saudades do que poderia ter sido. Saudades do que nunca pude experimentar. Saudade de alguém que se foi antes mesmo de chegar.
Essa é uma dor constante, que corrói minhas memórias em busca de reminiscências e que me impedem de vislumbrar onde e quando foi que deixei de viver a minha própria história, para viver a de um outro alguém que, por mais que tentasse me fazer crer ser eu, nunca conseguiu me convencer, o que somente acentuou a minha saudade sem fim, saudade de mim.
Hoje, a saudade está machucando tanto que não saem mais palavras de dentro de mim... o restante do post vai ficar em branco...











































quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Estou tentando aprender a ouvir....





Saber ouvir quase que é responder.

(Pierre Marivaux)







Há dias em que o queremos é apenas alguém que nos ouça. Precisamos, tão somente, de um ouvido que nos escute, sem interrupções, sem críticas, sem pré-concepções, sem comparações, sem julgamentos.
Nesses dias, só o que não  precisamos é do menosprezo pelas nossas inquietações, pelas nossas angústias, pelas nossas desilusões. Necessitamos, unicamente, de um consentimento velado, de uma palavra de aprovação, de uma concordância, mesmo que momentânea.
Escutar não é para todos, muito pelo contrário, poucos dominam a arte de saber ouvir. Ouvir de verdade, sem interferir, sem sobrepor os próprios problemas aos de quem precisa ser ouvido naquele instante.
Eu já senti isso na própria pele, pois quantas vezes precisei  falar, precisei dizer sobre minhas dores, sobre as feridas abertas que machucavam minha alma e o que encontrei foram apenas repreensões, comparações indevidas, olhares de piedade e falta de compreensão.
E isso se fez mais latente quando me descobri portadora de Esclerose Múltipla. Quantas foram as vezes em que eu queria apenas falar, mas que não encontrei ninguém que pudesse ou quisesse me ouvir, tão somente? Quantas foram as ocasiões em que me senti incompreendida e que não pude receber um gesto de assentimento por tudo o que vivi pelo recebimento do diagnóstico?
Posso afirmar, com certeza, que não foram poucas vezes, de verdade, aliás, posso mesmo dizer que não encontrei nas pessoas a minha volta a sabedoria de apenas me deixar falar, de apenas se disporem a respeitar a minha dor, sem tentarem me confortar com palavras vazias e que, eu tinha consciência, não eram sinceras.
Foram dias difíceis, dias em que remoí dentro do meu próprio eu sentimentos de medo, desamparo, dor e revolta. Foi um período em que precisei calar todas as palavras que queriam sair pela falta de alguém para simplesmente ouvi-las.
Quantas lágrimas derramadas poderiam ter sido poupadas por um gesto de apoio e compreensão? Não sei dizer, apenas sei que busquei derramar meus medos e incertezas por meio do meu choro, já que as palavras ficaram presas no meu interior pela inexistência de alguém para ampará-las.
Os meses passaram, as feridas estão quase cicatrizadas e a necessidade de ser ouvida foi se transformando, aos pouquinhos, em necessidade de escutar. Escutar outras pessoas, escutar outros corações, escutar dores que machucam o coração e entristecem a alma.
Assim, me dispus a aprender a arte de escutar. Não digo que já aprendi, pois ela demanda tempo, exercício e paciência, mas sou uma aluna aplicada e tenho tentado colocar em prática tudo o que procurei encontrar em alguém que pudesse me ouvir, mas que infelizmente não encontrei.
Não sei mesmo se tenho conseguido oferecer meu ouvido àqueles que precisam unicamente de serem escutados. Não sei se tenho feito algum bem àqueles que me contam suas histórias, buscando, tão somente, um gesto de compreensão e assentimento.
Mas, o que sei, de verdade, é que tenho dado o melhor de mim, tenho tentado ser uma pessoa melhor a cada dia, tenho me empenhado em deixar de lado minhas opiniões e convicções para não pré-julgar, não desvalorizar e nem sobrepor minhas próprias angústias às de quem precisa apenas ser ouvido por mim, nada mais.
Por tudo isso, minhas palavras de agradecimento vão para todos os amigos que fiz e que tenho feito a cada dia, vão para todos que confiam à mim suas inquietações, que buscam em mim apenas um ouvido que os ouça, sem críticas, sem interferências, sem incompreensão. Assim, muito obrigada pela confiança e por me permitirem, a cada dia, me tornar uma pessoa mais de bem com a vida.

Um beijo para todos que me têm permitido evoluir na arte de escutar!


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Liberdade de expressão

Bete Tezine, Cale-se (Autorretrato), 2012. 
Nanquim  sobre fotografia, 20 x 30 cm. 








Tudo está fluindo. O homem está em permanente reconstrução; por isto é livre: liberdade é o direito de transformar-se.

(Lauro de Oliveira Lima)











Desde que me propus a escrever sobre as emoções e inquietações que, como ser humano e paciente com Esclerose Múltipla, carrego comigo, tenho encontrado ressonâncias das minhas ideias em muitas outras pessoas, tanto portadores, quanto não portadores também.
A forma que optei por abordar sentimentos, muitas vezes conflitantes, que não são exclusividade de quem convive com a Esclerose Múltipla, mas que são, na maioria das vezes, comuns a todos nós, foi deixando que minhas emoções fluíssem e transbordassem para o papel. Deixo que minha alma fale, deixo que meu coração escreva as palavras que saem de dentro de mim.
E, essa minha opção, tomou forma quando eu, ao receber o diagnóstico de "esclerosada" (como bem nos nomenclatura a minha querida amiga Bruna Rocha Silveira), parti em busca de informações sobre a enfermidade e, não nego, encontrei muitas, porém, foram bem poucas as publicações que falavam acerca das emoções dos portadores, que abordassem aspectos emocionais relacionados com sentimentos e situações cotidianas.
Por esses motivos, procuro com meus textos falar de assuntos que, muitas vezes, são camuflados por nossa insegurança e por nossos medos. Assim, falo de angústias, inquietações, alegrias, vitórias e derrotas, tentando criar, por meio das minhas vivências e visão de mundo, um retrato de mim. Procuro transferir para uma linguagem amena, todas as minhas frustrações e anseios, a fim de compartilhar delas com pessoas que sentem o mesmo, mas que não conseguem expressar o que vai dentro da sua alma por meio das palavras.
Todavia, nunca nos será possível agradar a todos, sempre haverão aqueles que irão contra nossas ideias e ideais de vida. Sempre existirão aqueles que se incomodarão com nossas palavras, se sentirão ultrajados na imagem que fazem de si próprios. 
Sei que, para alguns, o que escrevo não faz sentido nenhum. Para outros, minhas palavras são como um espelho que reflete seu interior, fazendo com que tudo aquilo que estava trancafiado em um canto escuro qualquer da alma, de repente, venha à tona, trazendo com ele lágrimas e sentimentos reprimidos que, a todo custo, tiveram de ficar inertes, vendo a vida passar sem poderem participar do seu enredo.
Por tudo isso, tenho plena consciência de que meus textos são pedaços de mim e, como tais, não os imponho à ninguém, apenas faço uso da liberdade de expressão que nos é garantida pela Lei Maior do nosso país.

Um beijo carinhoso...

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Ensino porque amo...






O essencial, com efeito, na educação, não é a doutrina ensinada, é o despertar.

Ernest Renan







Uma das muitas convicções que carrego comigo é acreditar que só conseguimos ensinar, de verdade, aquilo que amamos. Não basta querer ensinar, é preciso ir muito além disso. É preciso que sejamos apaixonados pelas lições que pretendemos que sejam assimiladas por aqueles que nos são confiados, seja pela vida, seja pela sociedade.
Ensinar é uma arte! Uma arte que necessita, em doses máximas, de muita sensibilidade, paciência, carinho e amor. Amor por quem aprende, amor pelo que se ensina.
Hoje, no dia em que se comemora o dia dos professores, sinto ainda mais pungente em mim, a falta que me tem feito estar dentro das salas de aulas, a falta de poder contagiar meus alunos com minha paixão pela arte. Essa foi mais uma das coisas que a Esclerose Múltipla, ao menos transitoriamente, afastou de mim. Ela me arrebatou de dentro das salas de aulas quando se manifestou em minha vida.
Assim, tomada pela saudade, comecei a relembrar de alguns resultados positivos que obtive com alguns dos meus alunos. E, a falta que sinto deles, cresceu ainda mais.
Não me esqueço do primeiro dia em que entrei na sala da 7ª D. Me apresentei e, quando lhes disse que eu seira sua professora de artes, ouvi uma resposta coletiva dizendo que detestavam arte. Aquilo doeu em mim, pois, até aquele momento, na minha total inexperiência letiva, jamais concebi a hipótese de que alguém pudesse não gostar de artes. Isso me entristeceu muito mais do que ousei admitir para mim mesma. Porém, ao invés de me deixar abater, movida pelo meu extremo amor pelo objeto das minhas lições, procurei transmitir a eles a minha intensa paixão pela arte e, por incrível que pareça, acabei por contagiar a maior parte deles. 
Outro aluno de quem não me esqueço, já de uma outra turma, é o Marco Aurélio. Um menino muito tímido e que se recusava, categoricamente, a realizar qualquer uma das propostas que eu passava em aula. Ao ser questionado acerca do por quê, ele sempre me dava a mesma resposta: não sei desenhar professora. Diante disso, ao invés de insistir com ele (e com outros que estavam em igual situação), optei por lhe descortinar o mundo das artes. Planejei aulas em que mostrei aos meus alunos todas as possibilidades de manifestação artística. Eles pouco produziram, porém, entenderam que a arte vai muito além da pintura e do desenho. Realmente, posso dizer, que foram despertados para ela e, daí, para a verdadeira paixão, o espaço ficou muito mais estreito.
Voltando ao Marco Aurélio, em uma das últimas aulas que ministrei a ele, qual não foi a minha surpresa quando ele me entregou a proposta e, quando olhei, a folha não estava em branco, muito pelo contrário, pela primeira vez, depois de meses, ele havia realizado um trabalho. Exultei! Parabenizei-o! Fiz mesmo festa para ele! E quando indaguei-lhe acerca do que havia mudado, recebi como resposta: eu aprendi que não é apenas quem sabe desenhar que pode fazer arte, professora. foi a senhora quem me ensinou isso, muito obrigado.
Nessa altura, já dá pra imaginar o tamanho da emoção que senti. Ela, realmente, não coube em mim. Naquele momento, eu tive plena convicção de que havia cumprido meu papel como professora de artes daquela turma, pois, se em meio aos 40 alunos da sala, eu havia conseguido quebrar a resistência inicial e fazer com que a arte pudesse despontar na vida de um único aluno que fosse, havia conseguido transmitir o meu amor pela matéria que lecionei. Isso não tem preço, não tem mesmo.
Para terminar, deixo uma crônica de Rubem Alves que, com muito mais propriedade que eu, já falou sobre o amor por ensinar e aprender por amar, vale muito a pena ler!

Aprendo porque amo

Rubem Alves

Recordo a Adélia Prado: "Não quero faca nem queijo; quero é fome". Se estou com fome e gosto de queijo, eu como queijo... Mas e se eu não gostar de queijo? Procuro outra coisa de que goste: banana, pão com manteiga, chocolate... Mas as coisas mudam de figura se minha namorada for mineira, gostar de queijo e for da opinião que gostar de queijo é uma questão de caráter. Aí, por amor à minha namorada, eu trato de aprender a gostar de queijo.
Lembro-me do filme "Assédio", de Bernardo Bertolucci. A história se passa numa cidade do norte da Itália ou da Suíça. Um pianista vivia sozinho numa casa imensa que havia recebido como herança. Ele não conseguia cuidar da casa sozinho nem tinha dinheiro para pagar uma faxineira. Aí ele propôs uma troca: ofereceu moradia para quem se dispusesse a fazer os serviços de limpeza.
Apresentou-se uma jovem negra, recém-vinda da África, estudante de medicina. Linda! A jovem fazia medicina ocidental com a cabeça, mas o seu coração estava na música da sua terra, os atabaques, o ritmo, a dança. Enquanto varria e limpava, sofria ouvindo o pianista tocando uma música horrível: Bach, Brahms, Debussy... Aconteceu que o pianista se apaixonou por ela. Mas ela não quis saber de namoro. Achou que se tratava de assédio sexual e despachou o pianista falando sobre o horror da música que ele tocava.
O pobre pianista, humilhado, recolheu-se à sua desilusão, mas uma grande transformação aconteceu: ele começou a frequentar os lugares onde se tocava música africana. Até que aquela música diferente entrou no seu corpo e deslizou para os seus dedos. De repente, a jovem de vassoura na mão começou a ouvir uma música diferente, música que mexia com o seu corpo e suas memórias... E foi assim que se iniciou uma estória de amor atravessado: ele, por causa do seu amor pela jovem, aprendendo a amar uma música de que nunca gostara, e a jovem, por causa do seu amor pela música africana, aprendendo a amar o pianista que não amara. Sabedoria da psicanálise: frequentemente, a gente aprende a gostar de queijo por meio do amor pela namorada que gosta de queijo...
Isso me remete a uma inesquecível experiência infantil. Eu estava no primeiro ano do grupo. A professora era a dona Clotilde. Ela fazia o seguinte: sentava-se numa cadeira bem no meio da sala, num lugar onde todos a viam —acho que fazia de propósito, por maldade—, desabotoava a blusa até o estômago, enfiava a mão dentro dela e puxava para fora um seio lindo, liso, branco, aquele mamilo atrevido... E nós, meninos, de boca aberta... Mas isso durava não mais que cinco segundos, porque ela logo pegava o nenezinho e o punha para mamar. E lá ficávamos nós, sentindo coisas estranhas que não entendíamos: o corpo sabe coisas que a cabeça não sabe.
Terminada a aula, os meninos faziam fila junto à dona Clotilde, pedindo para carregar sua pasta. Quem recebia a pasta era um felizardo, invejado. Como diz o velho ditado, "quem não tem seio carrega pasta"... Mas tem mais: o pai da dona Clotilde era dono de um botequim onde se vendia um doce chamado "mata-fome", de que nunca gostei. Mas eu comprava um mata-fome e ia para casa comendo o mata-fome bem devagarzinho... Poeticamente, trata-se de uma metonímia: o "mata-fome" era o seio da dona Clotilde...
Ridendo dicere severum: rindo, dizer as coisas sérias... Pois rindo estou dizendo que frequentemente se aprende uma coisa de que não se gosta por se gostar da pessoa que a ensina. E isso porque —lição da psicanálise e da poesia— o amor faz a magia de ligar coisas separadas, até mesmo contraditórias. Pois a gente não guarda e agrada uma coisa que pertenceu à pessoa amada? Mas a "coisa" não é a pessoa amada! "É sim!", dizem poesia, psicanálise e magia: a "coisa" ficou contagiada com a aura da pessoa amada.
Minha avó guardava uns bichinhos que haviam pertencido a um filho que morrera. Guardo um peso de papel, de vidro, que pertenceu ao meu pai. E os apaixonados guardam uma peça de roupa da pessoa amada e a colocam sobre o travesseiro, ao dormir... Mesmo depois de ela ter morrido. É como se, por meio daquela "coisa" que não é a pessoa amada, fosse possível tocar e acariciar a pessoa amada, ausente.
Pois o mesmo mecanismo acontece na educação. Quando se admira um mestre, o coração dá ordens à inteligência para aprender as coisas que o mestre sabe. Saber o que ele sabe passa a ser uma forma de estar com ele. Aprendo porque amo, aprendo porque admiro. Sabendo o que ele sabe eu carrego a sua pasta, como o "mata-fome", faço amor com ele.
Lamento dizer isso: tive poucos mestres que admirasse. Lembro-me de um que admiro até hoje, embora já se tenham passado mais de 50 anos: Leônidas Sobrinho Porto. Professor de literatura, nunca nos atormentou com informações sobre nomes e escolas literárias. Ele sabia que não aprenderíamos. Mas quando ele se punha a falar, era como se estivesse possuído. Falava com tal paixão sobre as grandes obras literárias que era impossível não ser contagiado. Eu o admirava porque nele brilhava a beleza da literatura, "queijo" de que eu não gostava. Ele me fez amar a literatura.
A dona Clotilde nos dá a lição de pedagogia: quem deseja o seio, mas não pode prová-lo, realiza o seu amor poeticamente, por metonímia: carrega a pasta e come "mata-fome"...

Feliz dia dos Professores para todos nós que amamos o que ensinamos!

Um beijo repleto de amor....


domingo, 14 de outubro de 2012

Viva a diversidade!

Operários, Tarsila do amaral.

Todo mundo ama um dia,
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora

Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz [...]

(Almir Sater/Renato Teixeira)


Acredito, piamente, que a diversidade é a característica mais significativa do ser humano.
Pertencemos todos à raça humana, mas somos seres diversos por natureza. Temos diferentes cores de pele. Temos diferentes cores e formatos de olhos. Falamos diferentes línguas. Possuímos diferentes culturas, costumes e princípios. Temos diferentes credos e religiões. Escolhemos diferentes opções sexuais. Somos de variadas classes sociais. Nossos valores são diversos. Nossas ideias e ideais de vida não são homogêneos, mas, muitas vezes, conflitantes entre si. Temos diferentes orientações políticas. Diferentes formas de pensar e agir.
Por tudo isso, tudo que ocorre nas nossas vidas é vivenciado por nós de forma única. Cada um de nós tem uma maneira própria de viver a vida, de suportar a dor e de curar as próprias feridas.
Assim, não se pode exigir atitudes iguais de seres tão desiguais. Cada ser é único em suas características físicas e emocionais. Cada um possui um particular potencial de enfrentamento aos obstáculos e situações.
Somos seres únicos e, como tais, possuímos singularidades que nos tornam individuais. Somos, cada um, a sua maneira, seres especiais, mas nunca deixamos de necessitar uns dos outros. Somos incapazes de nos bastar por nós mesmos, uma vez que fomos criados para convivermos uns com os outros.
E, essa convivência só se torna possível quando temos respeitadas nossas diversidades, nossas diferentes características, atitudes e ideais de vida. Não é possível vivermos em sociedade sem nos atermos às diversas formas de existir, pensar e agir.
Então, por tudo isso, é perfeitamente compreensível que cada um de nós, aos recebermos o diagnóstico de qualquer enfermidade que nos acometa, independentemente da sua gravidade ou potencial de fatalidade, tenhamos reações e modos de lidar com o diagnóstico completamente diversos uns dos outros.
Não se pode exigir, de seres completamente heterogêneos entre si, uma reação uniforme. Cada um de nós vive e reage à sua maneira, ao seu modo, da forma que lhe for possível. É inconcebível a exigência de um padrão de enfrentamento, pois, como seres únicos, únicas também são as nossas maneiras de ver e viver a vida.
Quanto a mim, diante do diagnóstico de Esclerose Múltipla e, mediante minha forma de vivenciar e enfrentar meus medos e anseios, optei por não esconder minhas angústias e inquietações, não significando, com isso, que eu não possa viver de forma feliz e equilibrada.
Por tudo isso, é que me resguardo o direito de ser eu mesma. De ter minha opinião e ideias respeitadas, mesmo que sejam divergentes das demais pessoas. 
Como ser único que sou, não posso exigir que minha forma de lidar com a enfermidade seja imposta a todos e, por outro lado, também não posso aceitar a imposição à mim, de formas de agir e reagir que não são compatíveis comigo, uma vez que "cada um de nós compõe a sua história, cada um carrega o dom de ser feliz, de ser capaz...”

Um beijo diverso em cada ser diverso!