domingo, 30 de setembro de 2012

Quantas vezes deixei de tentar mais uma vez?


Monet, Impressão, nascer do sol, 1872

Desistir... eu já pensei seriamente nisso, mas nunca me levei realmente a sério; é que tem mais chão nos meus olhos do que o cansaço nas minhas pernas, mais esperança nos meus passos, do que tristeza nos meus ombros, mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça.

(Cora Coralina)




Me lembro, como se fosse hoje, de uma situação ocorrida quando eu tinha 7 anos. 
Minha avó materna tinha por hábito visitar o túmulo do meu avô todos os meses, levava flores, acendia velas, era como se fosse um ritual para ela. O cemitério ficava a certa distância da nossa casa e, se hoje o transporte público é deficiente, dá para imaginar o transtorno que era se deslocar por meio dele há quase 35 anos atrás. Sendo assim, minha avó fazia todo o trajeto a pé e, religiosamente, me levava junto com ela. 
Naquele dia que estou a recordar, fazia um sol escaldante, fomos e voltamos sem nenhuma nuvem no céu que pudesse bloquear, por alguns minutos, ou segundos que fossem, os raios solares que, literalmente, cozinhavam nossa pele.
Chegamos em casa no momento em que minha mãe estava fazendo o almoço e, na pia, lavava folhas de agrião para preparar uma salada. Eu me aproximei, peguei uma delas, amacei entre os dedos e aspirei o aroma do suco que se formou em minha mão. 
No final da tarde, comecei a me sentir muito mal, tive febre alta, calafrios e dores pelo corpo. Minha mãe, preocupada, me levou ao hospital, onde foi diagnosticado uma insolação. 
Porém, na minha mente de criança, não foi o sol escaldante, sem proteção alguma, o responsável pela enfermidade que me acometeu. Na verdade, ficou registrado na minha lembrança, que foi o cheiro do sumo do agrião que me fez tanto mal, mas tanto mal, que acabei tendo de ser hospitalizada.
Daquele dia, até hoje, nunca mais consegui comer agrião. Não posso nem com o cheiro, pois, quando sinto, sou tomada por náuseas e todo o mal estar que senti na ocasião parece retornar, nitidamente, ao meu corpo. Assim, quando me perguntam se gosto de vegetais, sempre respondo: gosto de todos, exceto, de agrião.
Meu objetivo, ao narrar essa pequena parte de minhas memórias, é enfocar o quanto uma convicção errônea pode nos causar prejuízos nas mais variadas esferas da vida. 
É comum ouvirmos, muitas vezes de nós próprios a seguinte fala: tentei uma vez, não deu certo, não vou nem tentar novamente, pois já sei qual será o resultado. 
Com essa atitude, estamos determinando que algo dará errado, sem nem mesmo termos ousado realizá-lo, sem buscar ver onde foi que erramos na primeira tentativa, a fim de readequar os parâmetros para uma nova experiência que, se não for ao menos colocada em prática, não há como saber se teria dado certo ou não.
Todavia, muitas vezes temos consciência disso, de forma até mesmo contundente, entretanto, preferimos deixar a razão de escanteio e nos lançarmos a teorias mirabolantes, atribuindo a fatores, muitas vezes inexistentes, a razão da nossa desistência.
Isso é inerente à personalidade humana, todavia, podemos, muito bem, lidar com isso de forma racional, ultrapassando as barreiras lançadas, por nós mesmos, em meio ao nosso trajeto rumo aos projetos que deixamos relegados ao acaso, apenas pela falta de coragem de tentar novamente.
A história que narrei no início da postagem é apenas uma, dentre tantas outras, que me estancaram e me impediram de alcançar algumas metas de vida e, acreditem, não mais comer agrião é a menor das minhas perdas por não ter tido a coragem de tentar mais uma vez.

Um beijo grande!


P.S.: O termo impressionismo surgiu devido a um dos primeiros quadros de Monet, Impressão, nascer do sol (obra, cuja imagem aparece na abertura dessa postagem), quando de uma crítica feita ao quadro pelo pintor e escritor Louis Leroy: "Impressão, nascer do Sol – eu bem o sabia! Pensava eu, justamente, se estou impressionado é porque há lá uma impressão. E que liberdade, que suavidade de pincel! Um papel de parede é mais elaborado que esta cena marinha". A expressão foi usada originalmente de forma pejorativa, mas, Monet e seus colegas, não desistiram e adotaram o título, sabendo da revolução que estavam iniciando na pintura.


sábado, 29 de setembro de 2012

A dor de cada um de nós



Edvard Munch, O grito, 1893.







Todo mundo é capaz de dominar uma dor, 
exceto quem a sente.

(William Shakespeare)











Todos nós, em um ou outro momento da vida, somos acometidos por dores, sejam físicas, emocionais, espirituais e, muitas vezes, mais de uma por vez.
Se me perguntassem qual é a dor que mais dói, eu não exitaria em responder que é a minha. Não importa o seu tamanho, não importa sua dimensão, não importa sua intensidade, a minha dor será sempre a maior porque é em mim que ela dói. E isso não é questão de egoísmo, de supervalorização dos meus problemas em detrimento do problema alheio. Longe disso, apenas, a nossa dor quem a sente somos nós, por mais que recebamos apoio e solidariedade, é em nós que ela lateja, é em nós que ela provoca feridas do corpo e da alma, motivo pelo qual eu me reservo o direito de poder valorizar a minha dor, de poder falar sobre ela sem que seja tida como uma pessoa fraca, como alguém que se sente o centro do mundo.
Aliás, esse é um direito de todos, de todos que estão passando por momentos dolorosos em suas vidas. Cada ser é único e, como tal, cada um vivencia suas dificuldades da sua forma, da sua maneira.
Tenho tido contato com muitas pessoas que, como eu, também são portadoras de Esclerose Múltipla e, a cada dia, percebo quantas dificuldades existem para cada uma delas. Dificuldades de todos os tipos, desde as sequelas físicas que provocam limitações e dores indescritíveis, até as dores emocionais que, na maioria das vezes, são as que mais doem.
Tenho sempre tentado respeitar a dor de cada uma delas, dando-lhes uma palavra de compreensão, dizendo eu te entendo, meu amigo, pois o que menos precisamos em momentos como este é de piedade. Queremos apenas sermos ouvidos. Queremos, tão somente, que a nossa dor seja respeitada independentemente de ser maior ou menor do que as das demais pessoas.
É nesse ponto que, tento fazer prevalecer em mim, os ensinamentos de Rubem Alves quando fala da arte de saber ouvir, pois não há nada que possa nos ser mais maléfico do que sentir que nossa dor está sendo minimizada em função da dor do outro. A dor de cada um foi feita pra ser respeitada e quando não podemos compartilhar dela, devemos, ao menos, dar-lhe a devida importância. Tudo o que quem está passando por momentos de angústia não precisa  ouvir é a terrível fala: Ah! Mas isso que você está passando não é nada, sofrimento mesmo é o de... 
É claro e evidente que cada um de nós sabemos que existem sofrimentos intangíveis, dores imensuráveis que, quando comparadas às nossas, faz com que o que sentimos seja realmente insignificante. Porém, esse não é o caminho para que a dor seja superada, muito pelo contrário, quando deixamos de viver os nossos lutos, pelo tempo necessário, as dores se tornam crônicas, em especial as dores da alma.
Com isso, não quero dizer que tenhamos de viver indefinidamente mergulhados em nossas dificuldades e melancolias, pois há tempo de chorar, tempo de sofrer, mas, há também, tempo de sorrir, tempo de amar, tempo de viver e ser feliz. 
Assim, é imprescindível que nos permitamos vivenciar nossos momentos de dor pelo tempo que seja necessário para cicatrizar as feridas abertas por ele, nem menos, nem mais, pois, se assim não for, estaremos fadados a nos tornar escravos de nossas próprias amarguras e isso fará de nós as pessoas mais infelizes do mundo.
Para terminar, deixo um vídeo de uma música do saudoso Raul Seixas que, nos momentos em que penso em sucumbir às minhas mazelas físicas ou emocionais, sempre me lembro da letra e tento retomar minha vida, à minha maneira, sem deixar que a tristeza faça parte por tempo demais dos meus dias.




Um beijo carinhoso!



sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Minhas confissões de mãe



Bete Tezine, Guilherme, 2012. Lápis sanguínea
e sépia sobre fotografia, 20 x 30 cm.



A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final.

(Luís Fernando Veríssimo)









Bete Tezine, Carol, 2012. Ponta-seca, aquarela
e ecoline sobre fotografia, 20 x 30 cm.

No momento em que, sentada em frente minha neurologista, ouvi dela a confirmação do diagnóstico de Esclerose Múltipla, a sensação que tive foi de que tudo que existia na minha vida, até então, se afastou de mim para dar lugar a um único pensamento: meus filhos.
Foi neles que pensei naquele instante em que perplexidade, medo, ansiedade, alívio até, se mesclaram em um turbilhão de emoções conflitantes e dolorosas. Vi seus rostos e a necessidade que tinham de mim. Naqueles breves instantes, revi em minha memória todos os nossos momentos juntos... me vi grávida... me vi dando a luz a eles... me vi amamentando.... me vi embalando-os em meus braços... revi seus primeiros passos... suas primeiras palavras... o primeiro dia de aula... enfim, fiz uma retrospectiva da minha trajetória como mãe até aquele momento.
A doença me era desconhecida e das muitas várias coisas que me ocorreu naquele instante, acho que a mais assustadora, foi pensar que pudesse me tornar um fardo para os meus filhos, foi imaginar que, ao invés de eu cuidar deles, eles é que teriam de cuidar de mim. Esse pensamento persistiu na minha mente por tempo suficiente para que pudesse me fazer desabar, literalmente, diante da notícia. Posso dizer que foi o momento mais angustiante de todo o processo de descoberta do significado da Esclerose Múltipla nas nossas vidas.
Sai do consultório médico com um gosto amargo na boca, uma sensação de efemeridade que nunca havia sentido tão latente e uma angústia contida, pela responsabilidade de contar a meus filhos sobre a patologia que me acompanhava.
No trajeto até em casa, fui projetando em minha mente uma forma de dar-lhes a notícia sem parecer que estava desabando por dentro. Queria muito encontrar um maneira de dizer-lhes que eu ficaria bem, que só precisaria do amor de cada um deles para conseguir forças para adaptar-me à minha nova situação de vida. Porém, as lágrimas me impediam de me sentir segura quanto a isso, pois sabia que eles ficariam apavorados e que se sentiriam desamparados.
No entanto, meus filhos, meus valiosos filhos, apenas me abraçaram e disseram que tudo ficaria bem, que eles sempre estariam ao meu lado e beijaram meu rosto, enxugando minhas lágrimas. Acho que esse foi um dos momentos mais gratificantes que tive como mãe.
Hoje, alguns meses depois, percebo que a maturidade deles é muito maior do que eu, como mãe extremamente protetora, imaginava. São dois adolescentes, cuja leitura de mundo eu não percebi a real dimensão, talvez por conta da minha visão de que ainda eram minhas pequenas crianças. Eles são, realmente, especiais.
Dia desses, ao receber a pasta de provas de minha filha, me emocionei quando li uma redação feita por ela. Meus olhos ficaram rasos d'água ao perceber que minha menina já tinha traçado alguns planos para sua vida e que eu fazia parte deles. Vou compartilhar, aqui, as palavras dela, tão criança, tão madura.

Trinta anos

Quando completar trinta anos pretendo estar trabalhando, pretendo já ter casado, ter filhos, minha casa própria, meu próprio dinheiro, pois minha mãe diz que depender do marido é uma das piores coisas do mundo.
Com trinta anos, pretendo viajar, ir para a Inglaterra, ou até antes dos trinta. Pretendo ter uma coleção muito grande de livros, pois adoro ler. Pretendo me cuidar muito bem, ser muito bonita e talvez montar um salão de cabeleireiro com minha amiga. Quero ter dois gatos em minha casa, adoro gatos. Quero ter muita saúde, me alimentar bem e ser muito saudável, aliás, quero que todos em minha casa sejam saudáveis. Quero me divertir, sair com amigas, fazer compras, ir a lugares divertidos, quero ter um enorme armário de sapatos e ficar experimentando-os todos os dias. Quero ter uma família bonita, visitar sempre a minha mãe e meu irmão, mas, acima de tudo, quero ser muito feliz!!!

Um beijo de uma mãe emocionada!


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Hoje eu resolvi mudar as cores do meu mundo



Van Gogh, A Noite Estrelada, 1889



Se me pedem para que me descreva, 
sou como uma pintura de Van Gogh, 
bela e densa, definitiva e tensa.

(Jeocaz Lee-Meddi)











Na noite passada, conforme disse Raul Seixas, 
tive um sonho de sonhadora,
artista que sou,
eu sonhei que estava mudando todas as cores do meu mundo. 
No meu sonho, 
munida de pincéis e de uma paleta de cores sem fim, 
dei início ao meu processo de acrescentar cor onde nenhuma antes havia.
Parei por um instante apenas, 
a fim de me decidir por onde começar. 
Não precisei muito de tempo, 
pois, já que fazia parte do mundo que queria repintar,
resolvi começar a reforma por mim mesma.
Assim, com movimentos de rápidas pinceladas 
pintei de azul meu coração. 
Não gosto dele vermelho. 
Por que ele precisa ser vermelho? 
O meu eu queria azul. 
Vermelho me remete  às paixões desenfreadas,
não quero isso para mim, 
quero amor aconchegante, 
amor reconfortante,
por isso eu escolhi azul.
Depois, passei para meus olhos, 
pintei minhas retinas de verde, 
pois, na minha visão sonhadora, 
a esperança passaria a morar dentro delas, 
caso lhes desse essa cor. 
Em seguida, quis mudar, também, a cor do meu cérebro. 
Peguei, então, um pincel fininho, 
de cabo bem comprido e, 
delicadamente, passei a recolorir a minha massa cinzenta,
pois, não gosto da cor cinza. 
Cinza me lembra dos dias melancólicos de inverno, 
lembra poluição, depressão. 
Meu cérebro nunca mais iria ser deprimido 
porque o pintei de amarelo. 
Mas, ainda não havia terminado, 
faltavam os pontinhos brancos, 
que me olhavam amedrontados, 
querendo se rebelar, 
mas, com muita calma e cuidado,
um a um fui pintando de violeta,
a cor da energia positiva.
Agora, eles deixariam de ser impulsivos e imprevisíveis.
Por fim, reservei tintas para recolorir
uma importante parte de mim que, 
por mais que eu a hostilize,
ela sempre fica a espreita,
tentando me pegar distraída.
Olhando bem para ela, 
percebi que eram suas vestes pretas 
que sempre a escondiam de mim.
Então, a fim de torná-la visível
para que eu pudesse prevê-la,
pintei suas roupas de rosa, laranja e carmim,
por que, no final das contas,
os surtos precisam ser negros?


Um beijo cheio de cor!

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A Esclerose Múltipla na minha vida: uma carreira de disfarces



Agora é o tempo
Agora é agora
É agora a nossa hora
Não disfarce mais
Não diga mais nada
Não relute
Se entregue
Se leve
Pelo andar da carruagem
Deixe acontecer
Agora nessa hora
Nenhuma outra hora
[...]

 (Agora, Sandro Sansão S. Costa)



Meu relacionamento com a Esclerose Múltipla iniciou-se, hoje sei, muitos anos antes de eu saber quem ela era. Sentia sua presença, é bem verdade, mas não podia dar-lhe nome, forma ou delimitar seus contornos.
Inicialmente, ela esgueirou-se junto a mim, sem fazer qualquer ruído. Rastejou, camuflou-se, disfarçou-se em outras anomalias, tudo a fim de fixar sua presença ao meu lado, sem que eu pudesse notá-la.
De início, ela resolveu mexer com minha cabeça, fez com que ela ficasse zonza, no ar, como se tudo flutuasse ao seu redor, o chão ficava longe, perto, longe, perto, longe, perto....Foi confundida, então, com labirintite. Esse foi o seu primeiro disfarce.
Ela o usou por diversas vezes, haja vista que percebeu que tinha conseguido, com ele, se manter incógnita junto de mim.
Depois, quando percebeu que já estava levantando suspeitas, fantasiou-se de uma doença ocular. Instalou-se no meu olho direito e, com uma agulha qualquer, brincava de perfurar minha retina. Quanto sofrimento ela me causou nessa época. Investigaram meus olhos, puseram holofotes, fotografaram, escanearam, de tudo fizeram, mas, ardilosa como é, quando viu que corria o risco de ser desmascarada, deu logo um jeito de sair de fininho, deixando meu olho dolorido, mas a tempo de ser salvo das sequelas que ela queria lhe impingir.
Assim, abandou também esse disfarce e partiu para um novo ataque, resolvendo que agiria, agora, camuflada em uma doença circulatória. Nossa! Quanta dor me provocou. Quantas vezes deixei de andar por não suportar o que ela fazia com minhas pernas. Mas, quando procurei ajuda médica, me examinaram e nada encontraram, vascularmente, que pudesse me causar todas aquelas dores.
Desse modo, ao ver que também não tinha conseguido atribuir a outra enfermidade a responsabilidade pelo que estava fazendo a mim, buscou outra forma de se aconchegar ao meu lado, sorrateiramente. Resolveu, então, que andaria dependurada em mim, ou agarrada às minhas pernas, misturando-se comigo, para que, quem olhasse de fora, pensasse que éramos apenas uma. 
Ela me fez ficar tão exausta suportando o seu peso, que minhas forças se esvaíram e eu não conseguia mais realizar minhas atividades diárias. Esse foi o seu pior e mais maldoso disfarce, pois, ao se fundir comigo, fez com que eu fosse tida como uma pessoa portadora da "síndrome da preguiça crônica", pois, quando olhavam para mim, como ela não era visível a ninguém, viam apenas eu, ou seja, alguém que visualmente e clinicamente não apresentava nenhuma anomalia que pudesse justificar tamanha falta de energia. Assim, davam-me vitaminas, estimulantes e olhares de censuras.
Sem dúvida nenhuma, esse foi o disfarce que ela usou pela maior quantidade de tempo, conseguindo, mesmo, manter-se incógnita sem levantar qualquer tipo de suspeita acerca de sua identidade.
Mas, como uma criança birrenta, se cansou do brinquedo e quis ousar um novo disfarce e, esse, foi o seu grande erro.
Tenho plena convicção de que ela, para criar sua nova alegoria, me observou fria e atentamente, analisando todo o meu corpo pra ver qual seria a melhor forma de continuar anonimamente ao meu lado.
Penso eu que, depois de muito concatenar, percebeu que poderia se aproveitar do fato de que possuo dez pinos e uma placa dentro do tornozelo esquerdo, herança de uma fratura resultante de uma queda anos atrás. Desse modo, primeiramente, adormeceu e aqueceu meu pé. Estranhei, fui ao médico, mas ele caiu na artimanha da minha companheira, atribuindo aos pinos a responsabilidade pela anomalia.
Ah! Isso para ela foi motivo de festa, pois até que enfim havia conseguido atribuir a outrem o mal que me causava. Assim, empolgou-se de tal forma, que lhe foi impossível ater-se apenas a meu pé, resolvendo subir mais um pouquinho e assim o fez. 
Quando acordei no outro dia, minha perna inteira também estava acalorada e adormecida. Voltei mais uma vez ao médico que, novamente, foi ludibriado por ela, pois continuou atribuindo aos pinos a responsabilidade por tal anormalidade.
Se ela já havia feito festa anteriormente, agora vibrou, pulou, cantou, dançou, fez de tudo e, na ânsia de querer mais, resolveu que subiria mais um pouquinho. Então, acordei no outro dia com a metade esquerda do tronco aquecida e dormente. Retornei, mais uma vez, ao consultório médico que tentou, ainda, atribuir aos pinos a responsabilidade de tal proeza, fazendo conjecturas a respeito de um nervo que passava pelo tornozelo e irradiava por todo o lado esquerdo do meu corpo, provocando tais sintomas. 
Porém, desconfiei do diagnóstico, pois além da perda da sensibilidade, comecei a sentir desequilíbrios, descoordenação motora e dores neurológicas. 
Esse foi o fim da sua carreira de disfarces e camuflagens para fazer parte da minha vida. Ela foi desmascarada, pois, ao não se contentar com o que tinha, buscou me fazer sofrer cada dia mais, fazendo com que eu, aos poucos, fosse me apercebendo de sua presença, me afastando alguns centímetros da fusão que ela promoveu e ai foi quando ela ficou visível, também, ao olhar de outro alguém, Dra. Maria Cristina B. Giácomo, que a diagnosticou.

Um beijo aliviado.


terça-feira, 25 de setembro de 2012

Duas metades de mim





E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

(Metade, Oswaldo Montenegro)


Hoje, ao acordar, me pus a refletir sobre as dualidades que trago impressas na minha identidade. 
Percebi que sou duas pessoas fundidas em apenas uma. 
Mas, longe de mim ser contraditória, pois não sou, apenas descobri que minha personalidade se faz única no momento em que se juntam minhas duas metades.
Tenho um lado falante, que diz coisas sobre o mundo, que fala sobre a vida, sobre a dádiva de viver, sobre sonhos e projetos, frustrações, angústias, medos, ilusões e decepções.
Porém, tenho também, um lado que faz silêncio, que recolhe as palavras que estavam prontas para serem ditas e as leva para dentro, bem lá no fundinho da alma.
Existe um lado meu que compreende, estende a mão e apoia. 
Mas existe outro, além desse, que pede compreensão, a mão e o apoio.
Possuo um lado que ama, gratuitamente, sem reservas.
E um outro que pede amor, gratuito e ilimitado.
Outra metade minha, que se destaca, é a que me faz mãe, incondicional, protetora, dedicada.
Mas, tão latente quanto essa, é a metade que me faz filha, carente e que pede proteção.
Há em mim um lado guerreiro, que me faz lutar batalhas, sem dar trégua aos obstáculos. 
Mas, nem por isso, deixo de ter outro lado, que se retira da luta quando percebe que nem sempre ganhar é sinal de vitória.
Nesse meu momento introspectivo descobri, também, minha metade fraterna, aquela que me faz ser amiga em qualquer situação e, outra metade, que clama por amizade em qualquer circunstância da vida.
Tem aquele meu lado mestre que ensina, compartilha, mostra aonde se deve ir. 
Todavia, há ainda, meu lado discípulo que aprende , recebe e pergunta aonde devo chegar.
Minha metade sonhadora se perde em devaneios, muitos deles utópicos, mas nunca deixa de sonhar.
Porém, minha metade realista, muitas vezes se levanta e me faz esquecer de sonhar.
É meu, também, um lado obediente, que se medica, cuida de si e que busca conviver, pacificamente, com minha companheira diária, a Esclerose Múltipla.
No entanto, um outro lado meu se rebela, faz pirraça, provoca e hostiliza minha constante companhia.
Tenho, ainda, um lado que de vez em quando sente muito medo, se apavora e pensa muito em desistir, porém, toda vez que ele tenta emergir, todas as minhas outras metades se insurgem e o atiram de volta ao calabouço da minha alma.
Mas, há ainda, duas metades minhas que são gêmeas, daquelas idênticas, indistinguíveis, são as metades que me fazem ser transbordante de emoções.

P.S.: Quanto terminei de escrever essa postagem, encontrei uma música que, até então não conhecia, do poeta Oswaldo Montenegro, na qual  ele fala, também, das suas duas metades. Me emocionei, me enterneci, ao perceber que não sou apenas eu que sou composta por dualidades. Coloquei o vídeo da música e transcrevi a letra, pois ela é pura poesia, vale muito a pena ouvir e ler.


Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
 Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
 Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.
 Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

(Metade, Oswaldo Montenegro)


Um beijo das minhas várias metades!



segunda-feira, 24 de setembro de 2012

E eu surtei...


Bete Tezine, Neurônios, 2012. 
Bordado sobre fotografia, 20 x 30 cm.




Eu me preparo para 
algum  surto,
 perca de fôlego,
 náuseas, tontura... 
E nada acontece.

(Káah Azamba)







Os dicionários definem a palavra surto, como sendo: 1. Aparecimento inesperado de algo; 2. Crise, manifestação intensa de um fenômeno favorável ou desfavorável. Por sua vez, em seu sentido  psiquiátrico e/ou psicológico, o vocábulo surtar é: 1. Entrar em surto psicótico, ou em crise psicológica. 
Em neurologia, o surto se dá quando as lesões na camada de mielina inflamam. Assim, para nós, portadores de Esclerose Múltipla, a possibilidade de surtar é algo palpável, cuja expectativa de chegada nos ronda constantemente. 
Mas, surtar, assusta... assusta muito...seja pelo termo, pois parece que vamos enlouquecer, literalmente, seja pela possibilidade de sequelas graves. Tudo é muito difícil de ser resolvido dentro da nossa cabeça, ao menos, dentro da minha.
Conforme disse ontem, a primavera passada trouxe com ela um surto de presente para mim e, a primavera que chegou ontem, sentindo que não poderia vir só, pois acostumada que está a trazer-me companhia, na falta de coisa melhor, resolveu trazer com ela um novo surto...
Acho que surtei.... surtei em todos os significados do termo: 
1. O surto chegou inesperadamente, não deu avisos que estava vindo;
2. Manifestou-se de forma intensa e desfavorável;
3. Minha mielina inflamou;
4. Estou tendo uma crise psicológica.
Devo confessar que tenho medo, pois, já disse outras vezes que sou apenas um ser humano tentando reformar a própria vida, fazendo ajustes, consertando avarias, reposicionando emoções, superando deficiências. No entanto, o processo de autorreparação é complexo, longo e demorado, além de ser doloroso e necessitar de constantes adaptações.
Porém, não tenho como devolver o presente primaveril, pois a estação das flores não aceita devoluções, já deixou isso bem claro anteriormente. 
Assim, vou lidar o melhor que posso com a agudização da minha doença, uma vez que ela está reclamando minha atenção e cuidados, vou dar a ela um pouquinho mais de colo, até que ela se sinta valorizada novamente e readquira a confiança em si própria.
Agora, queridos amigos, vou para a pulsoterapia....

Um beijo carinhoso.



domingo, 23 de setembro de 2012

Quando chega a primavera....




Quero uma entrega maior, 
como dias de primavera 
que as flores se abrem 
e se dão ao mundo, 
se deixam acariciar pelo sol e, 
ao escurecer, mais resguardadas,
 recebem o orvalho da noite, 
mas estando pronta ou não, 
é assim que me encontro, 
desabrochando, 
amanhecendo, 
se dando para a vida.

(Angella Reis)


Em meados da primavera passada, tive meu primeiro surto, diagnosticado, de Esclerose Múltipla. Digo diagnosticado, pois, hoje, sei que nos últimos quinze anos tive alguns outros que foram tratados como uma outra anomalia qualquer, exceto, a que era realmente.
Passaram-se o verão, o inverno, o outono e eis que a primavera chega hoje e me encontra sob a suspeita de um novo surto. Mas, não quero pensar na possibilidade que se confirmará, ou não, amanhã, no dia de hoje. Deixarei para amanhã o infortúnio de amanhã e, procurarei viver hoje, toda a dádiva de presenciar a chegada da estação da esperança e renovação.
Foi na primavera, também, que recebi de presente da vida, os dois bens mais preciosos que poderiam ter chegado às minhas mãos: meus filhos. 
Eu me renovo, sempre, nessa estação e, essa que está chegando, mais que qualquer outra, irá encontrar em mim, um renovar-se diário, um permanente adaptar-se à minha nova condição de vida.
Não sou mais a mesma pessoa que a primavera anterior deixou quando se foi, pois, venho me remodelando e remodelando minha própria história. 
Quantas mudanças fiz no meu modo de agir e de pensar... 
Quantas coisas disse que jamais faria e hoje faço...
Quantas angústias reprimidas foram liberadas.... 
Quantos projetos de vida foram desarquivados...
Quantas falas engolidas agora foram ditas....
Quantas deficiências tem sido superadas....
Quantos medos estão sendo encarados de frente....
Quantas alegrias gratuitas, sem razão especial de ser, estão sendo vivenciadas...
Quantas batalhas interiores estão sendo travadas, a fim de banir de dentro de mim, feridas não cicatrizadas....
Quantos sonhos adormecidos estão sendo novamente sonhados...
Quantas histórias novas agora tenho para contar....
São tantas mudanças ocorridas em minha vida entre a primavera ir e a primavera voltar que, mesmo eu, ainda não fui capaz de assimilar todas elas. 
Porém, posso afirmar sem reservas que, quando a primavera se foi, na estação anterior, deixou uma pessoa e, quando hoje ela retorna com toda sua nostalgia e esperança, encontra uma nova mulher... renovada... amadurecida.... e disposta a ser dona da sua própria vida.

Um beijo primaveril!


sábado, 22 de setembro de 2012

Projetos da vida


Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...


A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...

A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...

A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...

O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...

No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A tua magia eu estou refém.

(Chico Buarque) 


Gastei boa parte da minha vida traçando planos que a própria vida se encarregou de arquivar. Fiz projetos, rascunhos, passei a limpo tantas vezes que acabei por decorar todos os pontos, linhas e entrelinhas das metas que estipulei para mim mesma.
Não sei precisar as vezes que, após o projeto estar pronto, o repassei na memória, dia após dia, tentando fazer com que ele se materializasse. Me empenhei, corri atrás de detalhes que pudessem facilitar a sua execução.
Todavia, apesar de todo o meu comprometimento em dar continuidade a eles, muitos, simplesmente, foram retirados de mim pela própria vida. Não foi falta de tentar, não foi falta de insistir, muito pelo contrário, apenas, não era, segundo a própria vida, um projeto passível de ser executado por mim.
Se me perguntarem se acredito em destino terei dúvidas quanto a reposta.
Não posso afirmar categoricamente que sim, porém, tenho provas incontestáveis de que, às vezes, por mais que desejemos algo, que busquemos por ele, que não poupemos esforços para concretizar a busca, simplesmente não acontece.... não era para ser... não era para ser nosso...
Por outro lado, acredito, também, que não devemos relegar, tão somente às mãos do destino, a responsabilidade pela realização dos nossos sonhos. Não dá para ser assim... não dá para contar, apenas, com o acaso. É preciso que tomemos as rédeas de nossa própria existência nas mãos e que a guiemos pelas estradas sinuosas que nos conduzirão aos nossos ideais.
Muitas vezes, não chegaremos lá da forma como planejamos, seremos conduzidos por outras estradas e atalhos. Outras vezes, porém, os obstáculos serão intransponíveis, nos impedindo de chegar aonde queremos ir. No entanto, não conseguir atingir o alvo,não significa que tenhamos falhado, pois quando damos tudo de nós e, mesmo assim, as situações fogem ao nosso controle, significa que os nossos planos não são os mesmos que o universo reservou para nós. 
Demorei muito para entender isso, mas hoje parei de me culpar por não ter conseguido concretizar todos meus projetos de vida. Compreendi que há coisas que, simplesmente, não foram reservadas a mim, enquanto outras, que jamais idealizei para minha vida, vieram sem planos, apenas entraram porta adentro e se instalaram junto a mim, sem a mínima intenção de se retirarem.
Assim, deixei de me sentir tão impotente e frustrada quando alguns projetos meus foram arquivados pela minha própria vida.

Um beijo projetado com todo meu amor...



sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Hoje, tenho tempo...


A Persistência da Memória, Salvador Dalí,1931. 
Óleo sobre tela, 24 cm × 33 cm.





Não, Tempo, não zombarás de minhas mudanças!
As pirâmides que novamente construíste
Não me parecem novas, nem estranhas;
Apenas as mesmas com novas vestimentas.

(Shakespeare)






Perca pouco mais que três minutos do seu tempo e assista o vídeo abaixo:



Durante toda minha vida adulta fui acometida pela síndrome da falta de tempo, se é que ela existe, mas, se não existir, é a denominação correta para o que eu sentia.
Nunca tinha tempo para fazer coisas que me dessem prazer e, aquelas das quais não podia me  isentar de realizar, eram feitas aceleradamente, sempre correndo, sempre indo contra o tempo.
Tudo o que me fizesse perder alguns poucos minutos já era motivo para fazer com que meu coração disparasse, minha boca secasse e meu cérebro começasse a mandar para o meu corpo constantes mensagens, dizendo a ele: você está perdendo tempo, está perdendo tempo, perdendo tempo, tempo, seu tempo, seu tempo está sendo perdido, olha o tempo, quanto tempo está sendo perdido....
Em resposta a isso, todo meu corpo entrava em um estado de ansiedade tamanha, que eu sentia, muitas vezes, como se estivesse próxima a um colapso nervoso.
Não importava o que fosse que me levasse a ter de esperar, fosse no trânsito, na fila de um banco ou supermercado, na recepção de um consultório médico, na reunião da escola dos meus filhos, uma visita, uma vizinha que me abordasse na porta de casa. Não importava a situação, a espera, por mais ínfima que fosse, me fazia, literalmente, adoecer.
Porém, quando a Esclerose Múltipla entrou na minha vida, ela chegou para mim, em um tom compassado, um tom que eu não estava acostumada a ouvir, e me disse com voz branda: agora, você terá de reservar um tempo em sua vida para mim e, junto comigo, terá de ter tempo para você também.
Logo de início, um profundo estranhamento se apossou de mim, eu me recusei, terminantemente, a deixar que a doença ditasse regras para minha vida, tentando, assim, continuar vivenciando a minha síndrome da falta de tempo. Mas, não deu. A Esclerose Múltipla,  vendo que eu não estava nem um pouco disposta a lhe dar ouvidos, foi logo se mostrando a que veio: fazer de mim uma pessoa mais normal, menos estressada, mais paciente, mais preocupada com coisas que realmente valham a pena.
Não tenho a pretensão de ser demagoga a ponto de afirmar que minha vida é muito melhor hoje do que antes do diagnóstico da enfermidade. Isso, não. Estaria faltando com a sinceridade comigo mesma, pois, poderia ter encontrado a cura para a síndrome que me acometia sem que fosse preciso vivenciar toda a angústia de se descobrir acometida por uma enfermidade, até então, incurável.
Porém, como por mim mesma não fui capaz de visualizar a urgência da necessidade de mudar esse segmento da minha vida, além de outros, pois esse foi apenas um deles, foi necessário que a própria vida se encarregasse da correção dessa minha deficiência.
Então, mesmo a contragosto, me vi obrigada a desacelerar, a reservar tempo para coisas que antes achava impossível. Hoje, tenho tempo para ir às aulas de pilates, para fazer psicoterapia, para parar no portão de um vizinho e lhe desejar bom dia. Tenho tempo para perder uma hora na sala de espera da minha neurologista quando vou a uma consulta. Consegui tempo, também, para dispensar horas de minha atenção em uma conversa com um  amigo. Tenho tempo para pintar uma tela, para fazer um bordado, para comer sem pressa, ouvir uma música, ler um bom livro, pintar minhas unhas, escovar os cabelos. Tenho tempo para saborear um sorvete, comer uma maçã, assistir um filme, à tarde, na televisão. Tenho tempo para compartilhar meus sentimentos, escrever sobre minhas inquietações.
Arranjei tempo, também, para ouvir, sem pressa, o desabafo daqueles que precisam de mim. Sem pressa nenhuma, ouvindo palavra por palavra, deixando que o outro fale, sem interromper, porque, hoje, eu tenho tempo.

Um beijo com todo o tempo do mundo!


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Vou ser feliz agora... Agora, vou ser feliz!


Não se acostume com o que não o faz feliz, 
revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças,
 mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!

(Fernando Pessoa)



Durante toda minha existência estive em busca de uma felicidade fictícia. Procurei por aquela felicidade que, pretensamente, me tornaria uma pessoa realizada e plena. Deleguei aos outros e às coisas a responsabilidade de me fazerem feliz.
E, nessa busca por uma felicidade utópica, desperdicei a maior parte dos meus anos sendo infeliz...
Tentava ser perfeita ao subir no palco da minha vida para encenar todos os meus personagens: esposa, mãe, amiga, companheira, filha, irmã, tia, professora, aluna, prima... Porém, ao final do ato, mesmo sendo aplaudida de pé, o que restava apenas, era um gosto amargo e uma nítida sensação de que não havia dado o melhor de mim.
Ansiei, por tanto tempo, ser exemplo da mulher madura, centrada, equilibrada, realizada, que deixei para trás a possibilidade de vivenciar momentos valiosos, sendo apenas eu mesma, sem encenações, sem representações...
Meu desejo de aprovação sempre foi um dos nortes que me impus a perseguir. Morria internamente, mas não deixava que minha morte fosse visualizada pelos que me rodeavam. Meu luto era apenas meu... Apenas eu o chorava... Sem conforto... Sem apoio... Sem compreensão....
Depositei demasiada confiança nas pessoas e, quando não a recebi em troca, não fui capaz de superar a dor da decepção. Decepção essa que colidia de frente, irremediavelmente, com minha busca pela felicidade.
Porém, de pouquíssimo tempo para cá, algo mudou dentro de mim. Não sei se o amadurecimento chegou de verdade. Não sei se cansei de almejar por algo inatingível. Não sei. Apenas sei que o meu interior está passando por reformas. Todo meu entendimento acerca das razões da felicidade foi demolido para ser construído, em seu lugar, um edifício sólido, seguro e adaptado às variações da vida.
Assim, tenho procurado entender que a felicidade plena, aquela que nos leva a um estado de elevação espiritual, pode até existir, sim, não a nego, porém, ela não é constante. Não há ser humano que possa afirmar, sendo sincero com ele próprio, que não tenha seus momentos difíceis, momentos em que parece que toda a alegria do mundo saiu porta afora, deixando-nos completamente sós.
Tenho compreendido, também, que as razões para minha felicidade não podem ser encontradas fora de mim. Não é possível mais que eu deposite nas pessoas ou coisas a responsabilidade pela minha felicidade. Acabou! Dei um basta na ditadura que me impus de ser, pelo menos aos olhares alheios, forte, realizada e feliz.
Agora, deleguei apenas a mim mesma essa responsabilidade, pois, apenas eu, mais ninguém, posso me tornar uma pessoa mais leve, mais de bem com a vida, mais repleta de alegria.
Entendi, então, que minha felicidade está nos meus olhos, na maneira como enfrento os obstáculos, no modo como me doo às pessoas e às situações. Compreendi que não posso mais representar tantos papéis sem nunca falhar em algum deles, pois, nenhum ator, por melhor que seja, é insusceptível de falhas. Aprendi a não esperar por aplausos unânimes, uma vez que não é possível agradar a todos, cem por cento das vezes.
Percebi, também, que me é possível estar em paz comigo mesma, mesmo que de vez em quando eu chore. Mesmo que eu deixe transparecer aos outros minhas feridas e cicatrizes internas, pois agora sei que isso não é motivo para me sentir fraca, mas, é sinal de que respeito minhas emoções e que, quando elas extravasam da minha alma, elas se perdem no tempo e me deixam pronta para recomeçar a ser feliz.
Vou ser feliz agora... Agora, vou ser feliz!


Um beijo feliz!