segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O fantasma da dependência


Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um ‘não’. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

(Augusto Cury)

Bete Tezine, Dependência, 2012. 
Nanquim sobre fotografia, 20 x 30 cm.

Dos muitos fantasmas que me rondam por conta da minha inseparável companheira, a Esclerose Múltipla, o que mais me sopra coisas aos ouvidos, sem dúvida alguma, é o medo da dependência.
Ele está sempre por perto, não me dá trégua alguma, me cerca, me espreita, me aterroriza com sua sombra gélida. Não perde uma única oportunidade de me mostrar sua assustadora face toda vez que eu não consigo fazer algo que, era tão simples, mas que agora se tornou complexo.
Hoje, as escadas são longas demais, elas me olham com olhos de incredulidade  e me dizem: Ah! Minha querida amiga, você não vai conseguir...sou muito maior que você... suas pernas não podem mais comigo.
As prateleiras, de repente, ficaram tão altas, parecem que crescem, que esticam para longe do alcance das minhas mãos e, lá do alto, me olham com ar de superioridade e me falam: jamais nos alcançará novamente, sinto muito meu bem.
Não sei o que houve, mas, num piscar de olhos, os cabides do meu guarda-roupa se tornaram inalcançáveis, parecem brincar de pega-pega comigo, pois, cada vez que consigo tocar qualquer um deles, esquivam-se às gargalhadas, fazendo pouco de mim.
Meu sofá, que sempre me acolhia em seu colo, mas que, quando eu precisava sair dele não opunha qualquer resistência, hoje adere em mim, de tal maneira, que me leva à exaustão para me desvencilhar de seus braços. Parece, mesmo, uma criança birrenta agarrada à cintura da mãe. Tenho de fazer um esforço sobre-humano para me colocar de pé, o que exige uma energia sem tamanho.
O assento do meu carro parece que encolheu, ficou mais baixo, muito mais baixo... não sei o que houve, mas, ele também zomba de mim toda vez que sento ou me levanto dele.
Todas as tampas das garrafas apertaram-se de tal forma, em um visível complô, que eu não consigo mais abri-las sem necessitar de ajuda. Riem, fazem troça, me fazendo sentir a pessoa mais fraca do mundo, uma vez que até uma criança consegue abrir o que eu não consigo mais. 
E as ruas, então? De um dia para o outro esticaram de tal forma, que metros viraram quilômetros, alguns passos não percorrem mais as distâncias que percorriam antes, meus pés se arrastam, mas, não chego ao destino por mais que eu tente, pois, a um passo meu,  ela cresce mais alguns metros, em uma clara tentativa de me fazer desistir.
Sinto, também, que as gramas viraram quilos, que os quilos viraram toneladas... Por que tudo, de repente, ficou tão pesado assim? 
E as filas? Meus Deus como as filas são longas! Elas não acabam... minhas pernas vão ficando exaustas... trêmulas.... mas, a fila continua parada, em seu lugar, não se mexe, não se compadece da minha falta de energia para suportar sua lentidão.
As gavetas emperraram.... as torneiras também.... o registro do chuveiro está tão difícil de abrir.... meus cabelos parecem que cresceram tanto, lavá-los me cansa demais... não era assim antes... tudo era muito mais fácil.
Por tudo isso, é que tenho medo, muito medo de que um dia desses, sem ao menos me avisar, tudo o que está difícil hoje, se torne impossível de uma vez. Nesse dia, o fantasma da dependência até tentará rir, achando que me venceu, porém, ele não sabe ainda da força que trago dentro de mim, da vontade que tenho de viver e que, mesmo que minhas pernas não possam um dia mais me levar aonde quero ir, minha mente estará lúcida e poderá sempre pedir para que alguém me leve.

Um beijo no coração de cada um de vocês...


2 comentários:

  1. Oi Bete,
    Também morro de medo da dependência... É difícil lidar com isso, às vezes fico pensando: O que eu tenho que aprender com isso??? E me pego justificando as minhas limitações com aprendizados de humildade e paciência. ....aff
    Muito bom o seu texto!
    Beijos,

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  2. Olá Drika
    Acho que esse é o aspecto mais assustador da EM para mim. Também tenho tentado apreender a essência do que isso significa na minha vida, pois, só assim, tenho aprendido a lidar com esses fantasma.

    Beijo

    Bete


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