consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual
vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.
(A palavra, Carlos
Drummond de Andrade)
Nos primeiros dias pós-diagnóstico, uma terrível sensação de desamparo inundou-me por completo. Me senti desnorteada, sem chão, como se eu fosse a única criatura, sobre a face da terra, que estivesse sentindo a terrível sensação de efemeridade que tomou conta de mim.
Foram dias difíceis, de lágrimas constantes, angústias afloradas como uma cicatriz aberta, pulsando, doendo, ardendo.
Fiz silêncio, me calei, me retrai.
Os dias foram passando e, tudo o que guardei dentro de mim, começou a sentir uma insuportável necessidade de vir a tona, de escapar para fora da gaiola em que foi trancafiado pelo meu medo, minha total insegurança, minha autopiedade, meu sentir pena de mim.
Foi, nesse momento, que senti que precisava falar, que necessitava expor o que descobrir-me acometida por uma enfermidade, sem cura conhecida, significava em minha vida. Então, todas as palavras que estavam contidas, de repente, explodiram. E eu falei, falei, falei, falei tudo o que queria, mas, falei o que não queria também.
Culpei as pessoas, culpei o mundo, culpei a mim mesma, culpei, culpei, culpei, até que toda a mágoa e o ressentimento fossem expostos em palavras.
Aí, me calei novamente.
Mas, depois de mais uns dias de silêncio, a fala voltou a emergir dos meus lábios, porém, agora, eu precisava saber, saber tudo, saber muito. Então, perguntei, perguntei, perguntei, questionei, indaguei até ficar extenuada e, depois, me calei mais uma vez.
Silêncio aterrador por mais alguns dias. Acho que esse foi o período necessário para digerir todas as respostas que obtive com meus questionamentos, pois, processei na minha mente tudo o que perguntei, tudo o que ouvi, mas, principalmente, tudo o que calei, também.
Após isso, tudo o que tinha vivenciado, até então, foi tomando forma, ganhando contornos delimitados pelo meu olhar acerca de como seria minha vida a partir de então. E, o que vi, não me pareceu mais tão assustador depois de materializado, quanto me foi o seu fantasma.
Desse modo, percebi que a realidade era menos feia e assustadora do que a sua sombra. Foi aí que comecei a acreditar que me seria possível começar a falar novamente, mas, falar como antes, sem receios, sem demasiadas expectativas, sem reservas.
Todavia, até então, eu havia falado, apenas, com quem, apesar de tentar, não podia me entender de verdade, pois, não tinha esclerose múltipla, como eu. Nesse instante, fui tomada por uma urgência em saber dos sentimentos daqueles que compartilhavam comigo das mesmas dores.
Então, voltei a falar, novamente. Porém, dessa vez, falei com quem tinha esclerose múltipla, também. Primeiro, perguntei, depois, ouvi.
Foi, aí, que descobri que existe vida depois do diagnóstico. Descobri que posso voltar a falar, que posso ser eu mesma novamente, que eu não estou só, que existem milhares de pessoas passando pelas mesmas angústias que eu, que a dor não é privilégio meu. Percebi que nem tudo que eu criei em minha mente existirá de verdade, que os fantasmas que me rondam são controláveis, pois, não querem me assustar, mas, apenas, me terem por perto.
Hoje, as palavras voltaram para o lugar de onde nunca deveriam ter saído. Voltaram para minha boca. Agora, só me calo, para poder ouvir o que falam para mim. Nesse momento, apenas, em nenhum outro mais.
Um beijo em forma de palavras mil...
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