Bete Tezine. Autorretrato.
Bordado sobre fotografia, 35 x 45 cm, 2012.
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Eu não tinha este rosto
de hoje,
assim calmo, assim
triste, assim magro,
nem esses olhos tão
vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos
sem força,
tão paradas e frias e
mortas;
eu não tinha este
coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta
mudança,
tão simples, tão certa,
tão fácil:
- em que espelho ficou
perdida
a minha face?
(Retrato - Cecília Meireles)
É inerente à
personalidade humana o desejo de ser lembrada pelas gerações futuras. Muitos
veem nos filhos a continuidade de suas existências, outros acreditam que seus
atos é que serão motivos de lembranças, porém, para a grande maioria, serão as
marcas de sua identidade física que farão com que sua imagem seja perpetuada.
Diante disso, torna-se
compreensível o fascínio do Homem pelo retrato, pois, nada melhor que sua
imagem estampada em uma tela ou em uma fotografia, sendo apreciada por seus
descendentes ou mesmo por desconhecidos, para dar-lhe a ilusão da imortalidade.
Assim ocorre desde os tempos mais remotos, uma
vez que o homem pré-histórico já sentia a necessidade de deixar a marca de sua
passagem pela vida nas paredes das cavernas. Depois, os que tinham condições
financeiras contrataram artistas para perpetuarem suas imagens, reproduzindo
seus traços físicos em retratos pictóricos.
Porém, foi com a
invenção da fotografia que o retrato se tornou verdadeiramente popular, uma vez
que seus custos, comparados ao de uma pintura, eram muito mais acessíveis às
camadas menos abastadas da população. Todos queriam ter um retrato fotográfico
de si próprio, mesmo que, no início, posar para uma fotografia fosse uma
verdadeira seção de tortura devido ao longo tempo de exposição à luz, tanto
que, nos primeiros retratos, os modelos, quase sempre, aparecem de olhos
fechados e expressão de suplício.
E essa necessidade de
perpetuação da imagem também é uma constante entre os artistas, uma vez que, quase
todos, em algum momento de seus processos criativos, se autorretrataram,
usando, para tanto, os recursos mais diversos: pintura, fotografia, desenho...
Todavia, não obstante
esse desejo de eternização da própria imagem pelo Homem, eu não tenho lembrança
de algum momento em que eu tenha sido retratada sem resistência, motivo pelo
qual, nas fotografias impostas por alguma obrigação social, eu sempre apareço
com expressão de suplício, assim como as imagens dos primeiros retratados
fotograficamente.
Entretanto, existem
certas circunstâncias que nos obrigam a rever convicções e deficiências, como
forma de superação. Para mim, foi a esclerose múltipla que, ao se manifestar em
minha vida, fez-me refletir acerca das dificuldades emocionais que me
acompanham há muito tempo.
Desse modo, ao optar
por produzir um autorretrato fotográfico como obra final para conclusão da
Habilitação em Artes Plásticas, muito mais do que superar a repulsa por ser
fotografada, busquei encontrar os motivos que me levaram a ela.
Assim, fazendo um reflexão íntima, descobri que o
que me levava à aversão por estar diante da câmera fotográfica, não era o ato
fotográfico em si, mas, o resultado dele, uma vez que eu não me autorreconhecia
nas imagens estampadas nas fotografias e, assim como na fala do personagem de
Luigi Pirandello, se eu não sou como acho que sou, o que os outros enxergam em
mim? Os outros que não sabem dos meus pensamentos, não sabem do meu interior e
só enxergam minha aparência física, como acham que sou? Será que acham que as
minhas ideias são como o meu rosto redondo e as minhas pálpebras inchadas?
Todos esses
questionamentos emergiram ao perceber que, na verdade, a imagem que tenho de
mim não é a mesma que vejo nos retratos, talvez porque eu não consiga ser
espontânea diante da câmera por medo de ver o resultado da pose ou, talvez,
porque a imagem fotográfica seja o resultado do olhar de outra pessoa durante o
ato fotográfico.
Diante disso, percebi
que o primeiro passo para a superação da repulsa por ser fotografada, seria
conseguir uma imagem em que eu me autorreconhecesse. Então, parti em busca de
retratos que, além de permitirem o autorreconhecimento, deixassem à mostra minha
imagem física, sem ocultar os traços dos quais não gosto: o rosto redondo e as
pálpebras inchadas, por exemplo.
Foi assim que,
analisando retratos meus, descobri uma série com a qual eu me autoidentifiquei.
Eram retratos que, embora não fossem tirados por mim, eram verdadeiros
autorretratos, uma vez que eu conseguia enxergar-me naquelas imagens.
Depois da escolha,
analisando a minha relação com o bordado, descobri que ele estava presente em
minha vida por tanto tempo que acabou se tornando, também, um retrato de mim.
Sendo assim, nada melhor que ele para interferir sobre as fotografias para que
elas se tornassem, inquestionavelmente, autorretratos.
Por fim, não sei dizer
ainda se, com a conclusão do trabalho, eu conseguirei superar a dificuldade de
ser fotografada, não sei se posarei, espontaneamente, para a câmera
fotográfica, porém, uma coisa é certa, a partir do momento em que identificamos
as causas das nossas deficiências, torna-se muito mais fácil lidar com elas e,
daí para a verdadeira superação, o caminho a ser percorrido fica menos íngreme
e tortuoso.
Um beijo carinhoso!
P.S.: O texto acima faz
parte do meu Trabalho de Conclusão de Curso - TCC, para obtenção do título de
licenciatura em Artes Plásticas.
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