quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Um sonho meu...

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...

(Mario Quintana)



Há anos que tenho um sonho recorrente. É sempre a mesma situação, embora em locais diferentes. Nesse meu sonho, eu sempre subo em algum lugar ou objeto sem problema algum, porém, não consigo descer. 
São escadas dos mais diversos tipos: de madeira, de concreto, daquelas dobráveis, aquelas de construção, rolantes, altas, não tão altas, largas, estreitas, enfim, de todos os tamanhos e formas.
São muros de todas as dimensões: alguns são altos, muito altos, outros são baixos, têm aqueles que são extensos, outros muito curtos, têm muros normais, outros excêntricos, afinal, muros de todas as cores, formas e materiais.
Têm, também, andaimes, muitos andaimes, daqueles feitos de tubo de ferro encaixados uns nos outros, formando uma estrutura que pode alcançar alturas impressionantes. Alguns, no meu sonho, são imensuravelmente altos, outros, são da altura dos trepa-trepa dos parques infantis.
Há os barrancos, os morros, os desfiladeiros, montanhas, precipícios, todos assustadores demais.
Até helicópteros se fazem presentes nesses meus sonhos. Alguns sobrevoando a cidade, outros o mar, alguns o interior com seus intermináveis campos cultivados. Existem voos rasantes, como, também, voos em alturas enormes.
Enfim, tem de tudo nesses meus sonhos: telhados, sacadas de prédios, poços de elevadores. Na verdade, tudo o que oferece uma certa altura resolveu fazer parte dos meus devaneios noturnos.
Não importa onde eu tenha subido, subir não é o problema, eu sempre subo sem qualquer dificuldade, seja onde for. Escalo os morros e os desfiladeiros com uma destreza impressionante. Subo as escadas mais altas, em uma tal velocidade, que pareço nunca ter sido acometida pela intensa fadiga que minha companheira de vida, a Esclerose Múltipla, trouxe em sua bagagem. E os andaimes, então? É surpreendente como consigo ir subindo, naquelas estruturas instáveis, sem me deter por um segundo sequer. Entro em helicópteros e não sinto nenhum frio na barriga quando eles alcançam alturas impressionantes para, depois, mergulharem no vazio de um voo rasante.
Subir, seja no que for, não é realmente difícil para mim, o problema verdadeiro é descer. Eu jamais consegui, em todos os sonhos que tive, pois, descer, sempre foi impossível, eu nunca desci, nunca consegui achar um meio de voltar ao chão, apesar de não poupar esforços para tentar regressar ao ponto de partida. 
Olho de cima e não consigo vislumbrar uma forma de descer de onde estou petrificada. Meu corpo todo treme, minhas mãos  ficam geladas, um suor frio escorre pelo meu rosto, minha mente pede socorro em um grito que não chega à minha boca, entro em pânico e fico estática até o momento em que desperto com a terrível sensação de que não superei, mais uma vez, algo que faz eu me sentir estanque, imóvel e profundamente incapaz.
Acordar desses sonhos sempre me deixam profundamente melancólica durante todo o dia que se segue, uma vez que nunca identifiquei o significado de não conseguir retornar ao lugar de onde saí rumo à escalada dos obstáculos que me fizeram refém dos seus topos.
Todavia, hoje, após ter acordado de mais um desses sonhos recorrentes, me deixei ficar, de olhos ainda fechados, repassando mentalmente o que não me permitiu descer de cima do muro em que eu havia subido e, percebi, pela primeira vez, durante todos os anos que esse sonho teima em me visitar constantemente, que o que me impedia de voltar ao chão, era o medo de regressar para a mesma vida que tinha vivido anteriormente à subida rumo a um mundo de possibilidades, até então, desconhecidas para mim.
Depois dessa constatação, abri os olhos, me levantei e comecei o meu dia com a certeza de que, quando esse sonho voltar, eu vou conseguir descer sem dificuldade alguma, uma vez que é impossível voltar para a mesma vida que tive antes de me redescobrir como um ser individual, que tem voz e vontade próprias e que sabe muito bem qual é o seu lugar no mundo. Agora, realmente, me sinto livre para atravessar a porta que se abriu diante de mim e ir rumo a uma nova vida que me espera, de braços abertos, para fazer de mim alguém muito mais feliz.

Um beijo carinhoso!

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