segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Carta aberta de repúdio à Esclerose Múltipla

São Paulo, 30 de setembro de 2013.

À
Ilma. Sra. Esclerose Múltipla 
Av. Lesões na mielina, nº indeterminado
Jd. Cervical -  Diversas regiões do Cérebro
00000-000 - Meu corpo/EM

Prezada Senhora:

A presente tem por finalidade trazer à V. Sa. o meu repúdio à sua presença na minha vida, pelas razões de fato e de direito relacionadas abaixo:

1. A Constituição Federal garante a todos o direito à liberdade, por este motivo, quando V. Sa. resolveu se instalar junto a mim, sorrateiramente, sem fazer qualquer barulho que pudesse me dar a chance de aperceber-me da sua presença, violou esse princípio constitucional, pois não me deu a oportunidade de decidir se a aceitaria ou não a sua companhia. 

2. Outro direito que a Carta Magna me garante e V. Sa., descaradamente, não respeita, é a liberdade que tenho de ir e vir, o que nem sempre consigo mais fazer sendo obrigada a carregá-la comigo, suportando todo o vosso peso e, em acréscimo, levar vossa bagagem desproporcional, afinal, há momentos em que por mais que eu queira ir, sou obrigada a ficar por conta do vosso peso excessivo que exaure todas as minhas energias.

3. Tenho direito, também, de poder  realizar minhas atividades diárias sem que fique completamente nocauteada, pois estou farta de subir uma escada e sentir reações no meu corpo como se tivesse corrido uma maratona inteira.

4. Por vossa culpa, tão somente vossa culpa, eu sou obrigada a suportar os efeitos colaterais dos medicamentos que V. Sa. me obriga a usar para não me entregar completamente aos vossos desmandos, sobremaneira o Rebif, vosso aliado em me provocar mal estares debilitantes.

5. Eu sou a dona do meu corpo, portanto, eu decido o que fazer com ele, porém, V. Sa. ignora isso da forma mais repugnante que existe, uma vez que quer controlar minhas pernas, meus braços, minha visão, minha fala, tudo, afinal.

6. Minhas memórias são minhas e, embora V. Sa. saiba que nunca poderá tirá-las de mim, fica o tempo todo tentando me confundir, escondendo palavras, me fazendo trocar o nome das pessoas, me levando a parar frases no meio, esquecer de coisas tão corriqueiras por pura maldade.

7. V. Sa.  é uma covarde, pois tenta se manter invisível aos olhares externos a mim que a carrego. Trapaceia, se esconde, não se mostra, tudo a fim de que eu seja vista como alguém que reclama demais e nada faz.

8. V. Sa. é sádica, pois não se contenta em viver grudada em mim feito um parasita, uma vez que, para satisfazer sua perversão, precisa me provocar dores, tremores, formigamentos, fraquezas, choques, descoordenação motora, desequilíbrios e toda a gama de sintomas que só alguém como você é capaz de me impingir.

9. Por vossa causa, sou obrigada a enfrentar filas intermináveis todos os meses para receber o malvado do Rebif, afinal, mesmo que eu vendesse minha casa, meu carro, meus filhos, minha cachorra, minha gata, uma parte do meu fígado e um rim, eu não teria como arcar com seus custos pela quantidade de anos que ainda pretendo viver.

10. V. Sa. é responsável, completamente responsável, por vez ou outra meu corpo precisar ser bombardeado por altas doses de corticóides, este hormônio que desinflama tudo, mas que me infla, me põe fel na boca, desestabiliza minha glicemia e minha pressão arterial. 

Sendo assim, após a exposição das razões acima elencadas, reitero meu repúdio à V. Sa. e espero que, se não puder me deixar livre da sua presença de uma vez por todas, ao menos respeite o máximo possível os meus direitos de cidadã livre e dona das minhas próprias vontades.

Atenciosamente,

Bete Tezine

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Rebif + TPM = Quase explosão nuclear

Moço, cuidado com ela! 
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua... 
Imagine uma cachoeira às avessas: 
cada ato que faz, o corpo confessa. 
Cuidado, moço 
às vezes parece erva, parece hera 
cuidado com essa gente que gera 
essa gente que se metamorfoseia 
metade legível, metade sereia. 
Barriga cresce, explode humanidades 
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar 
mas é outro lugar, aí é que está: 
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita.. 
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente 
que vai cair no mesmo planeta panela. 
Cuidado com cada letra que manda pra ela! 
Tá acostumada a viver por dentro, 
transforma fato em elemento 
a tudo refoga, ferve, frita 
ainda sangra tudo no próximo mês. 
[...]

(Elisa Lucinda, Aviso da Lua que menstrua)


Antes de iniciar o uso do Rebif, eu nunca havia reparado nas alterações pelas quais eu passo durante o período pré-menstrual, a tão famosa TPM. Na verdade, eu sempre achei que não sofria de TPM. Para ser sincera, eu não entendia bem as alterações sofridas pelo sexo feminino nos dias que antecedem a menstruação.
Eu sempre sofri de enxaqueca, mas ela sempre foi tão imprevisível que não a ligava à TPM. 
Eu sempre fui muito emotiva. O choro sempre rolou fácil, mas nunca prestei atenção que ele vertia por quase nada durante a TPM.
Entretanto, ao ser diagnosticada como esclerosada e ao iniciar o uso do Rebif, tanto as crises de enxaqueca, quanto a emotividade, ficaram sobremaneira acentuadas, que não tive como deixar de perceber sua relação com o meu período pré-menstrual. 
Um dos principais efeitos colaterais que o Rebif provoca em mim, são as dores de cabeça. Não há analgésico ou anti-inflamatório que eu possa tomar que previnam as dores pós-aplicação. 
Porém, passei a observar que durante a TPM as dores se transformam em crises de enxaqueca nocauteantes, ficando tão fortes a ponto de me tirarem de cena, me jogando na cama e, nem o mais potente dos analgésicos, tem dado conta de fazê-la me dar uma trégua. Sinto mesmo como se uma explosão nuclear fosse ocorrer dentro do meu cérebro, transformando-o em milhões de pedaços.
Por outro lado, percebi, também, que choro por qualquer motivo nesse período, para ilustrar o tamanho da minha emotividade, tenho chorado até com comerciais de margarina na TV, sem exagero algum.Tudo tem me arrancado lágrimas copiosas. Tudo me deixa sensível, tudo me magoa... é incrível como eu não havia percebido isso antes.
Sem contar, que agora tenho tido duas TPMs por mês, pois, depois do Rebif, meu ciclo menstrual passou a ser de 21 dias, então, quem merece isso? 
Hoje, estou  no meio de mais uma TPM e, para não fugir à regra, estou com uma enxaqueca daquelas que não desejamos nem para os nossos piores inimigos, quanto mais para nós mesmos. E, quanto ao choro fácil, vou terminar o post por aqui, porque estou ficando com tanta dó de mim mesma que as lágrimas já estão marejando meus olhos...

Um beijo todo especial para todas as mulheres que compartilham comigo da tenebrosa TPM!

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Perdoar... perdoar-se...




Aquele que não consegue perdoar aos outros, destrói a ponte por onde irá passar.

(Francis Bacon)





Temos de ter muito cuidado com nossas verdades absolutas. Se tem algo que a vida não perdoa nunca, é nos sentirmos donos da razão em detrimento a pensamentos contrários aos nossos. 
Na verdade, a vida tem uma estranha maneira de nos provar que, na verdade, nada sabemos, que somos todos leigos, somos seres imperfeitos em busca de firmação pessoal, o que, muitas vezes, nos leva por caminhos tortuosos que ao invés de nos trazerem o contentamento que procuramos, só nos trazem amargura, dor e decepções com nós mesmos.
Por outro lado, estamos em constante mutação, o que ontem nos servia, hoje não nos serve mais. O que ontem nos fazia bem, hoje não nos faz mais. O que ontem foi nosso tudo, hoje pode ser mais ou menos e, amanhã, nosso nada. 
Ninguém está livre de passar por desilusões, porém, o que fazemos conosco depois disso é responsabilidade tão somente nossa, de mais ninguém. Em um ou outro momento das nossas vidas todos nós seremos decepcionados, seja por outras pessoas, seja por nós mesmos, mas o que a vida cobrará de nós é como lidaremos com isso. Jamais seremos perdoados se optarmos por carregar o peso desnecessário da falta de perdão, sobremaneira, se não perdoarmos a nós próprios, deixando que um fato nos defina como pessoa e nos torne seres amargurados e vazios. 
O perdão liberta a alma, solta as amarras do rancor e nos deixa prontos para prosseguir por novos caminhos, desviando dos erros passados e aprendendo com eles a sermos pessoas melhores, mais felizes e mais em paz com a vida.
Verdades absolutas não existem, o que existe é a verdade de cada um, de acordo com o momento de cada um, portanto, ninguém tem o direito de julgar ninguém, porque apenas cada um sabe o que é ser ele mesmo, sabe das dores e das alegrias de ser quem é, ninguém mais.

Beijos no coração!

sábado, 21 de setembro de 2013

Um dia me disseram...



Um dia me disseram
Que as nuvens não eram de algodão
Um dia me disseram
que os ventos às vezes erram a direção
E tudo ficou tão claro
Um intervalo na escuridão
Uma estrela de brilho raro
Um disparo para um coração

[...]

(Somos quem podemos ser, Humberto Gessinger)

Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão e eu, teimosamente, me recusei a acreditar. Como assim? Como as nuvens não eram de algodão? Impossível, elas eram, sim, de algodão, foi o que pensei.
Um dia me disseram que pessoas podem ser más, que elas podem estraçalhar nossos corações em um piscar de olhos. Eu me recusei a crer que seres humanos pudessem ser tão cruéis assim e continuei acreditando na bondade das pessoas.
Um dia me disseram que o amor aprisiona almas. Eu, categoricamente, não quis acreditar, porque, na minha visão, o amor sempre liberta, não amarra, não prende, mas traz vida plena, livre e isenta de dor.
Um dia me disseram que decepções nos tornam amargos. Eu, mais uma vez, não cri nessa fala, pois decepções, na minha visão, não matam, apenas nos tornam mais fortes para buscar o melhor das pessoas.
Um dia me disseram que uma grande amizade pode se perder no tempo. Eu, de forma alguma, dei atenção a essas palavras, pois, para mim, uma grande amizade nunca se perderá no tempo, uma vez que mesmo longe, amigos verdadeiros, continuarão presentes um no coração do outro.
Um dia me disseram que tempestades podem se tornar uma constante em nossas vidas. Eu nunca acreditei nisso. Tempestades vêm, mas sempre são sucedidas por um período de calmaria, no qual o sol volta a brilhar e a brisa sopra doce, trazendo esperança outra vez. 
Um dia me disseram que o "para sempre" sempre acaba. Eu nunca vou acreditar nisso, porque têm coisas, sim, que são eternas dentro de nós, que nunca irão embora, que sempre estarão vivas nas nossas lembranças. 
Um dia me disseram que o tempo apaga tudo. Eu não tive como crer que a ação do tempo pode apagar uma história, uma lembrança, pois, há coisas que se tornam eternas e não há tempo capaz de tirá-las de nós.
Um dia me disseram que têm feridas que não cicatrizam nunca. Eu acreditei nisso. Mas, hoje, admito que me enganei, porque por mais que doa, sangre, lateje, toda ferida, uma hora, deixa de ser uma dor lancinante para se tornar, tão somente, uma cicatriz. E é isso que me dá forças para fazer, todo dia, um novo curativo nesta chaga que ainda está aberta, mas que uma hora vai fechar, deixando em seu lugar apenas uma marca que o tempo não apagará, no entanto, não vai mais latejar. Essa tempestade aqui dentro, um dia vai passar...

Beijos leves feito nuvens de algodão!

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A cura sempre virá...

Bete Tezine, Autorretrato, 2013.




A cura não significa que a ferida nunca existiu. Significa que ela não controla mais a nossa vida. 

(Autoria desconhecida)










Existem momentos nas nossas vidas que não há palavras que possam nos confortar. Nada do que possamos ouvir é capaz de nos trazer a paz de espírito de que tanto necessitamos.
Há situações que vivenciamos que nos causam uma dor tão pungente, tão latente e contundente  que só o que pode nos desafogar o coração é um abraço apertado, um olhar compreensivo e um ombro para amparar nosso choro.
Não há o que dizer, não há o que ouvir, não há palavra que sare. Tudo fica embaçado, congestionado de dor e só queremos, na verdade, alguém que chore junto conosco, que misture suas lágrimas às nossas, que se cale no nosso silêncio e nos ouça com o coração.
Há dores tão doídas que abrem feridas latejantes na alma, fazendo jorrar sangue vivo, quente, ardente que escorre pelas arestas abertas dentro de nós, ganhando dimensões dilacerantes e impingindo sofrimentos que, só são amenizados, pelo entendimento calado que se vislumbra no olhar daquele que compartilha conosco da mesma dor.
O choro rola solto. As lágrimas escorrem queimando a face e colocando um gosto amargo na boca. As emoções se confundem. O medo vira desespero. O desespero vira desesperança. E, a desesperança, se torna carrasca da maior das amarguras experimentadas pelo ser humano: a descrença em seu próprio poder de superação.
Os pensamentos se aceleram dentro da nossa mente, atropelando uns aos outros e ganhando velocidades inimagináveis, tornando-se monstros prontos a devorarem a nossa própria razão.
Não se vislumbra mais nenhuma luz no final do túnel. Não se enxerga uma saída. Não se crê na calmaria que advém após toda tempestade. Simplesmente, nos entregamos ao desespero e deixamos que fantasmas, muitas vezes apenas imaginários, ditem as regras de conduta para nossas atitudes naquele momento em que parece que fomos expulsos da nossa própria existência.
São momentos de travessia. Momentos em que somos testados pela vida, a fim de que ela se convença de que somos fortes o suficiente para atingirmos a outra margem sem nos afogar nas mágoas e dores pelas quais fomos obrigados a nadar.
A vida não nos poupa, nos testa a cada despertar. Ela nos coloca em situações que, aos nossos olhos, são impossíveis de suportar. Porém, por mais que seja difícil, na verdade quase impossível, vislumbrar uma cura, mesmo que incompleta, podemos ter certeza de que ela virá.
Não há dor que não cesse. Não há medo que não se transforme em coragem. Não há fantasma que não evapore no tempo. Não há lágrima que não se transforme em riso. Tudo, a seu tempo, se transforma e nos faz crescer em força, fé e certeza de que por maior que seja a ferida, um dia ela fechará e se tornará, apenas e tão somente, uma cicatriz a nos lembrar que mesmo tendo jorrado sangue, latejado e nos causado sofrimento imensurável, ela nos deixou, unicamente, uma recordação de que fomos fortes o suficiente para dar a volta por cima, recolocar um sorriso no rosto, reabrir as janelas da alma e pegar nossas vidas de volta, muito maiores em força, esperança e certeza de que nada é para sempre, nem mesmo a dor.

Beijos compreensivos no coração de quem está atravessando um momento de dor!

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Um grito de revolta!

Edvard Munch, O grito, 1893. Óleo
sobre tela, Têmpera e Pastel sobre cartão





Porque há o direito ao grito.
então eu grito.


(Clarice Lispector)










Hoje, eu quero expressar toda minha revolta contra viver acompanhada por uma doença multifacetada que me exaure, me tiraniza e ainda faz pouco de mim. E, por favor, não me diga que existem doenças piores que a Esclerose Múltipla, nesse momento, amanhã você me diz.
Hoje, eu quero gritar aos quatro cantos do mundo que levantar exausta depois de uma noite de sono é uma sensação odiosa, que me deixa completamente indignada por meu corpo não conseguir acompanhar meus pensamentos. E faça-me o favor de, apenas por hoje, não dizer que tenho de respeitar meu próprio ritmo, descansando de hora em hora, deixa para me falar isso amanhã, tudo bem?
Hoje, eu quero colocar para fora toda minha frustração por ter de descer escadas como uma criança aprendendo a andar ou um idoso desaprendendo a andar. Um pé, outro pé, os dois no mesmo degrau... eu só queria poder descer um pé, outro pé, um em cada degrau. E, por gentileza, não venha me dizer que eu devia agradecer por ainda poder descer escadas quando muitos não conseguem mais, amanhã você me fala, pode ser?
Hoje, eu quero gritar que estou farta de correntes elétricas percorrendo meu corpo, me arrancando tantos "ais" e olhares surpresos das pessoas. E não me diga que imagina o que eu sinto, completando que levar choques é ruim demais. Deixa para me falar isso amanhã. Hoje, não quero te ouvir.
Hoje, quero sapatear, fazer manha, me rebelar na hora da aplicação do Rebif, quero dizer que nunca mais vou tomar esse malvado, pois estou farta de sentir dores de cabeça e meu nariz congestionado, além dos outros sintomas que ele provoca em mim. E, não venha me dizer, eu lhe imploro, que é um mal necessário, que apesar dos efeitos colaterais eu necessito das injeções para poder ficar melhor o maior tempo possível. Transfira essa fala para amanhã; hoje, meus ouvidos estão fechados para você.
Hoje, quero gritar contra a solidão da sala de espera do consultório neurológico, contra a falta de um sorriso, uma palavra, um olhar compreensivo, um "estou aqui com você". E, não comece com o discurso de que eu, embora estando só, estava acompanhada em pensamentos por aqueles que se preocupam comigo, pois eu não queria companhia apenas em pensamento hoje, amanhã, eu volto a aceitar e me sentir menos só.
Hoje, quero me revoltar contra o calhamaço de receitas, relatórios, solicitações de exames que foram colocados, friamente, em minhas mãos, sem ao menos um "boa sorte" no final da consulta médica. E, não venha tentar me consolar, dizendo que a maioria dos médicos são assim, amanhã você me fala e eu prometo concordar com você.
Hoje, eu quero chorar por horas a fio, morrendo de dó de mim mesma por ser esclerosada, epilética, ter refluxo gástrico, hipertensão, fazer uso de antidepressivo, ter enxaqueca e TPM. E, não me faça discurso de que não devo chorar, que é necessário ser forte, encarar tudo de frente, porque hoje, sinceramente, quero ser fraca, impotente, chorar todas as minhas lágrimas entaladas na garganta. Então deixe para tentar levantar meu astral amanhã, tudo bem?
Hoje, vou dar meu grito de revolta contra surtar e pulsar, contra o gosto de fel na boca e o sentir-se inflar. E, eu te peço encarecidamente, não me venha com tentativa de consolo, dizendo que isso passa logo, que o inchaço vai embora e que o surto não vai deixar sequelas desta vez. Por favor, eu lhe peço, novamente, deixa para me falar isso amanhã, pois, quem sabe, quando eu acordar, eu volte a ser aquela que eu era quando acordei hoje cedo.

Hoje, não mandarei beijos, mas um obrigada por me escutar e me respeitar!

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Pulsante...


E a pulso goteja no pulso
e o pulso pulsa 
e a veia pulsa
e o coração pulsa
 o pensamento pulsa
a vida pulsa
e o sonho impulsiona...

E a pulso goteja no pulso
e o fel goteja na boca
e a língua pulsa amarga
e o pulsar do pulso lateja
as artérias pulsam no peito
o coração pulsa ansioso
e a vida renasce pulsante...

E a pulso desinflama
o cérebro, a medula
a fraqueza, o desequilíbrio
o tremor, a dormência
o que cega
o que ensurdece
o que cala a fala...

e a pulso desinflama o ser
mas não desinflama a dor 
não estanca o sangue da ferida
não cessa o pulsar lancinante
de um coração arrependido
de um coração entristecido
por um grande amor distante.

Um beijo pulsante!

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Não, não é apenas cansaço!




O que nos tranquiliza no sono é a certeza de que dele retornamos. E ele nos cura temporariamente da fadiga pelo mais radical dos processos, isto é, arranjando para que cessemos de existir durante algumas horas. 

(Marguerite Yourcenar)





Eu tenho certeza de que muitos esclerosados como eu irão se ver nestas minhas palavras, porém, eu gostaria de que os que não possuem, felizmente, a mesma enfermidade que nós, também prestassem muita atenção no que vou dizer acerca do que é  viver acompanhada por uma tirana bipolar feito a Esclerose Múltipla.
Sem dúvida alguma, ela provoca em quem a possui os mais diversos sintomas, que vão desde leves tremores, choques elétricos, formigamentos, desequilíbrios, até incoordenação motora, alterações visuais e descontrole urinário e intestinal, entre outros. No entanto, apesar de ter alguns desses sintomas também, o que mais me exaure é a fadiga desproporcional e debilitante que toma conta de mim sem aviso prévio e sem motivo que a justifique.
Quem compartilha comigo desse sintoma sabe bem o que estou dizendo. Sabe o que é perder o controle do próprio corpo de um minuto para o outro e necessitar de um repouso urgente, repouso este que nem sempre consegue restabelecer nossas energias. Entende o que é se levantar da cama pela manhã, depois de uma noite de sono, completamente exausto, como se não tivesse dormido nem um minuto sequer. Compreende o que é ficar ofegante até para falar, o que é ter os pensamentos embaralhados e a visão ficar turva e confusa de tanta exaustão.
Não, não é apenas cansaço o que sentimos quando a fadiga nos visita. Nós nos cansamos por fazer um esforço excessivo, enquanto nos fatigamos sem fazer qualquer tipo de esforço. Fadiga é muito mais que um cansaço, é um exaurimento sem causa aparente que nos debilita e nos tira de campo impiedosamente.
Por anos eu não entendi o por quê de tanto "cansaço", pois ainda não sabia o que me acometia. Me sentia culpada, pois os médicos não achavam nada que justificasse tamanha falta de energia. Sentia vergonha de não conseguir realizar minhas tarefas diárias e me arrastava tentando não demonstrar para os outros o que estava sentindo. 
Sofri demais, me violentei tantas vezes me obrigando a fazer coisas que meu corpo não suportava mais fazer que, por vezes, me entreguei ao desespero por me sentir a menor e pior das criaturas. Me sentia incapaz, insignificante e, como muitas vezes ouvi, preguiçosa, embora soubesse que havia algo errado comigo, mesmo que nada corroborasse com esse meu sentimento, ou melhor, pressentimento.
Os anos passaram, foram muitos, pelo menos uns 25, acredito que mais até, e o diagnóstico da esclerose múltipla veio tarde, mas veio, tirando de mim algumas toneladas ao descobrir que havia razão para todos os meus sintomas e, em especial, para a fadiga que me escravizava há tanto tempo.
Para finalizar, gostaria apenas de dizer para os que ainda não entendem como podemos perder tão de repente e sem qualquer esforço nossas energias, que apenas respeitem nossas necessidades de repouso, tanto físico como mental, e jamais nos digam que o que temos é preguiça ou falta de vontade de fazer alguma coisa, pois o que mais queríamos, tenham certeza, era podermos realizar todas as nossas atividades como fazíamos antes da EM resolver fazer parte das nossas vidas.

Um beijo que hoje está completamente fatigado!

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Questionando-me...

Bete Tezine, Autorretrato.
Pintura digital sobre fotografia, 2013.


Quando iniciamos com honestidade um intenso questionamento sobre nossas vidas, paramos de dar voltas em círculos e passamos a avançar em alguma direção.


(Maurício A. Costa)




Eu tenho 45 anos, mas acho que isso todos já sabem. O que não sabem é que, apesar de não ser encucada com a idade, vez ou outra me ponho a pensar sobre o que significa para mim estar caminhando, a passos largos, para quase meio século de existência. 
Fazendo uma retrospectiva da minha vida, percebo que tenho muito mais sonhos sonhados do que sonhos realizados, aliás, os que apenas sonhei sem ter tido a oportunidade de colocá-los em prática superam, largamente, os que pude realizar. Confesso, que isso provoca em mim uma sensação de impotência, de perda de controle das minhas próprias escolhas, quando não, das minhas próprias emoções.
Quantos não foram os projetos que tracei e, por circunstâncias que fugiram ao meu controle, os vi sendo arquivados ? Nossa! Já perdi a conta de quantos foram!
Quantas pessoas que imaginei que ficariam na minha vida para sempre, mesmo que o para sempre significasse até o fim dos meus dias, mas elas simplesmente partiram muito antes de mim? Posso dizer que foram várias, com algumas simplesmente perdi o contato, outras, no entanto, talvez as mais importantes, criaram asas e voaram para uma outra dimensão, deixando uma saudade infinita.
Quantos foram os caminhos pelos quais eu desejei trilhar, mas que fui obrigada a enveredar por desvios que me levaram para outros lugares que nunca desejei ir? Foram inúmeros, nem posso precisar o número exato.
Qual a quantidade de vezes que tive de reformular teorias por perceber que, por mais que eu quisesse, elas eram impossíveis de serem aplicadas por motivos alheios ao meu controle? Já perdi a conta.
Qual o número de vezes que precisei reinventar-me como forma de sobrevivência? Ah! De verdade, eu reinvento-me a cada dia a fim de manter minha sanidade e prosseguir vivendo da melhor maneira possível, apesar dos percalços e barreiras impostas pela vida.
Diante de todos esses questionamentos que me fiz e das respostas que dei a mim mesma, percebi que eu não preciso aceitar, passivamente, o rumo que minha vida tomou independentemente da minha vontade.
 Percebi que eu posso não ter o controle de tudo, que muitas vezes vou ter de reformular planos e projetos de vida, mas, o que fazer e como fazer para não me deixar afundar em autocomiseração e decepções comigo mesma, é responsabilidade minha e só cabe a mim fazer, a mais ninguém. 
Descobri que posso não ter o controle sobre todos os rumos que minha vida ainda poderá tomar, mas de que forma trilhar esses novos caminhos é algo que apenas eu decido.
Portanto, vou recolorir minha vida, vou olhar com outros olhos para os sonhos arquivados e, pouco a pouco, vou ver os que ainda posso viver e, os que se tornaram utopia, vou  colocar na lixeira, pois, viver de sonhos impossíveis não acrescentará nada em mim, muito pelo contrário, só me tornará melancólica e decepcionada com a vida.

Um beijo carinhoso!