quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Aceitação






A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranquilidade, querer com mais doçura.

(Lya Luft)



Quando da descoberta de qualquer enfermidade grave que nos acometa, passamos a vivenciar um real estado de luto. Luto esse que se manifesta por uma sequência de sentimentos que nos envolve, nos debilita, nos faz mergulhar em sofrimento para depois nos fazer emergir novamente para a vida, prontos para retomarmos do ponto onde paramos nossa própria história.
Choque, ansiedade, negação, depressão, hostilidade, raiva, adaptação, são sentimentos inquietantes que nos acometem para, ao final, nos levar à aceitação da doença que se instalou na nossa vida.
São emoções alarmantes, que mexem profundamente com nosso interior, mas que, embora estejam machucando no fundo da alma, resvalam em todos que nos são próximos, provocando, também neles, sofrimento e sensação de impotência por não poderem fazer nada além de ficarem ao nosso lado.
Todos esses conflitos interiores são absolutamente normais, compreensíveis e humanos. Viver o luto, chorar pelo luto, imergir nas próprias dores, fechar-se em si mesmo, retrair-se diante da enfermidade, tudo isso, nada mais são que reações esperadas e comuns a toda raça humana.
Porém, nada pode durar tempo demais. Nenhum desses sentimentos penosos pode permanecer indefinidamente ao nosso lado. Há tempo de dor, tempo de revolta, tempo de não aceitar... há tempo para tudo, entretanto, todas essas vivências, para serem consideradas saudáveis, devem nos levar, inquestionavelmente, à aceitação de nossa nova condição de vida. Cada um a seu tempo, cada um a seu modo, cada um da forma que lhe for mais fácil, mas a aceitação da enfermidade é o fator primordial para que possamos buscar a cura, quando esta for possível e, em casos de doenças incuráveis, buscar a melhor convivência possível com o mal que nos acomete.
Fechar aos olhos e negar indefinidamente não é o caminho para nos resolvermos com a nossa anomalia. Fingir que ela não existe só nos vai trazer mais sofrimento e dor. Ignorar sua presença só vai dar-lhe mais poder sobre nós, haja vista que ao se sentir desprezada ela se arma de mais força para nos subjugar aos seus caprichos, às vontades da criança mimada e birrenta que é. 
Por outro lado, também não é saudável voltar toda nossa atenção exclusivamente para a doença, não devemos supervalorizá-la, dedicar-lhe todo nosso tempo, esquecer que existe vida após o diagnóstico de uma doença grave. Infelizmente, a  vida não para para que possamos viver, exclusivamente, nossa enfermidade. A vida continua, as pessoas continuam. Apesar de parecer que o mundo desabou sobre nossas cabeças, o mundo não vai parar para que possamos recolher os escombros de nós mesmos.
Agora, falando por mim, eu vivi, sim, o choque, a ansiedade, o medo, a revolta... vivi tudo simultaneamente, intensamente, mas a adaptação veio rápida e, com ela, a aceitação, pois descobri, e isso me trouxe certa paz de espírito, que essa seria a melhor forma de evitar que virasse escrava da minha companheira de vida, a Esclerose Múltipla. 
Não a tornei o foco da minha vida, mas dou a ela a exata parcela da minha atenção que ela demanda, nem mais, nem menos, assim, tenho conseguido uma convivência relativamente pacífica com ela. Ela recebe de mim a atenção merecida e, em troca, me deixa continuar fazendo parte do mundo, com meus sonhos, minhas ideias e minha intensa vontade de viver.
Mas o meu tempo não é o mesmo tempo das demais pessoas. Então, eu não posso simplesmente cobrar de ninguém que aceite a EM da mesma forma que aceitei, tenho de respeitar cada um e estender minhas mãos, oferecer meu colo e meu apoio incondicional, pois a aceitação vem naturalmente quando somos compreendidos, acolhidos e respeitados nas nossas dores, medos e angústias.

Um beijo carinhoso... 

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Só por hoje....






Encontra ânimo na dor e no desafio. Nesta vida só nos são colocados à frente os obstáculos que somos capazes de ultrapassar.

(Augusto Branco)









Hoje, eu só queria te dizer que nada dura mais que o tempo necessário para, fazer de nós, alguém melhor do que fomos antes de tudo acontecer.

Hoje, só por hoje, eu queria ter o poder de tirar de você toda a angústia e todo o temor que estão afligindo sua alma, sem dó, sem piedade, sem trégua.
Hoje, eu quero muito te fazer acreditar que o tempo vai sanar o que hoje parece impossível de ser curado.
No dia de hoje, eu necessito poder levar até você um beijo afetuoso, daqueles que aquecem o coração e renovam a esperança na força que existe dentro de cada um de nós.
Só por hoje, eu queria muito poder me teletransportar para junto de você e te dizer bem baixinho: tudo vai passar, você vai ver.
É mesmo só por hoje, que eu queria ter o dom de fazer o tempo retroceder para que você pudesse evitar o que te levou a sofrer desse jeito.
Hoje, eu preciso muito ver um sorriso florescer nos seus lábios para que eu possa continuar a acreditar que sempre vale a pena viver, mesmo que isso signifique abrir mão das próprias escolhas.
Apenas por hoje, eu queria poder tocar suas mãos, envolvê-las com as minhas, olhar bem dentro dos seus olhos e dizer: estou aqui com você, nada de ruim irá acontecer, pois, não vou deixar, você vai ver.
Hoje, tão somente por hoje, eu necessito poder ficar ao seu lado, te afagar os cabelos e chorar com você todas as lágrimas que eu não puder conter, pois, o choro lava as dores da alma e nos faz emergir com as forças renovadas e a alma mais leve.
É mesmo tão somente por hoje, que eu queria ter o poder de te fazer crer que nada pode ser mais forte do que a força que traz dentro de você.
Hoje, apenas por hoje, vou deixar que minhas palavras se calem, que meu coração transborde de dentro de mim e que minha alma se encontre com a sua, em silêncio, mas na mais profunda comunhão, partilhando da sua dor e , trazendo de volta com ela, a maior parte de seus sofrimentos, deixando você mais leve para poder voltar a caminhar o seu próprio caminho.
Hoje, não somente por hoje, mas por todos os dias da minha vida, vou afirmar que você vai vencer, que você irá superar tudo o que hoje parece impossível, pois, conquistar o impossível você já sabe de cor.
Para você, campeão, vencedor, esta fé que te faz imbatível te mostra o teu valor....


Um beijo cheio de esperança no milagre da vida....


segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Redescoberta de mim

Bete Tezine, 2012



E redescobrir é tão bom. Dá pra ter tudo outra vez. Dá pra ter tudo de novo, novo de novo. Dá pra ter um começo e fazer diferente pra não ter, por um bom tempo, que lidar com o fim.

(Jéssica Taiza)







De tudo o que tenho vivido após a descoberta da Esclerose Múltipla, o que mais tem me surpreendido é a redescoberta do meu próprio eu, é a redescoberta de mim mesma, como mulher, como ser humano, como alguém que merece viver intensamente.

Durante a maior parte da minha vida eu vivi em função dos outros. Primeiro, minha família de origem desintegrou-se quando eu tinha apenas 13 anos, pouco mais que a idade que minha filha tem hoje. 
Eu começo a compará-la comigo e vejo o quão rápido fui forçada a amadurecer. Sou a mais de velha de quatro irmãos e, com apenas 13 anos, precisei trabalhar e assumir as despesas de casa.  Foi o meio de sobrevivência, pois, meu irmão mais novo tinha apenas 1 ano de idade, quando meu pai, simplesmente, achou que já estávamos criados, usando a palavra dele, na época, e que ele não tinha nenhuma responsabilidade mais de nos sustentar.
Foi, nesse momento, que eu deixei de ser criança e passei a ser a chefe da família. Triste assim.
Os anos passaram, o sonho de cursar uma faculdade ficou arquivado, a vida foi seguindo seu curso, meus irmãos foram crescendo, assumindo suas próprias vidas e eu me casei. 
Veio o meu primeiro filho e, deixei de lado as minhas vontades, para viver em razão daquela vida que saiu de dentro de mim. Depois, veio minha segunda filha e me dediquei, plenamente, aos dois.
Mas, mesmo vivendo intensamente a maternidade, consegui cursar dois cursos superiores e uma pós-graduação. No entanto, não consegui me realizar profissionalmente, pois, sempre precisei me dedicar a outros interesses, muitos deles, ou melhor, a grande maioria deles, não eram meus, eram interesses dos outros.
Assim, acumulando sonhos e um sem número de frustrações, descobri a Esclerose Múltipla junto a mim e, a partir de então, comecei a sentir uma urgente necessidade de replanejar a minha história.
Não é egoísmo, não é egocentrismo, nada disso, mas, resolvi retomar eu mesma como minha prioridade de vida. 
Não abandonarei, jamais, as minhas responsabilidades como mãe, meus filhos sempre serão minha vida, mas, resolvi dedicar, também, um pouco de atenção à mim mesma. 
Penso que com isso, vou se uma mãe melhor, uma mulher melhor, um ser humano melhor. Pois, só damos daquilo de que estamos repletos e, eu, agora que me reencontrei, estou repleta de alegria e contentamento, assim, posso dar àqueles que necessitam de mim, um pouco da minha alegria e do meu amor próprio que floresceram novamente.

Um beijo redescoberto!