terça-feira, 25 de junho de 2013

Confesso, estou sentindo medo...

Bete Tezine, Medo (autorretrato), 2013.
Escrita digital sobre fotografia.




Todos os homens têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem.

(Jean-Paul Sartre)






Confesso que estou sentindo medo. Não é um medo infundado. Não é um medo passageiro. Não, não é um medo qualquer , mas um medo que tem me feito companhia diariamente e, por mais que eu tente ignorá-lo ou expulsá-lo de perto de mim, ele não me deixa, não me dá trégua, não me abandona...
Devo admitir que o medo que estou sentindo tem ficado cada dia maior, tem se fortalecido numa velocidade exorbitante e tem dado mostras que veio para ficar, por mais que eu não o queira fazendo parte da minha vida...
Estou sentindo medo, muito medo, medo de verdade. 
Quando descobri a Esclerose Múltipla como parte da minha vida, eu senti um certo alívio por saber que tudo o que me acometia, há anos, não era tão somente uma criação da minha mente como ouvi algumas vezes, no entanto, aliado ao alívio e, com muito mais intensidade, senti medo, porém, aquele medo que senti quando recebi o diagnóstico, nem de longe se compara ao medo que tem se feito presente em mim de alguns dias para cá. Esse medo de agora é muito mais intenso e palpável, talvez porque eu esteja sentindo, muito mais, o peso de carregar no meu corpo uma doença tão imprevisível e ingrata como a Esclerose Múltipla.
Tenho plena consciência de que não posso me entregar ao medo, que preciso encontrar forças para mantê-lo sob controle e não permitir que ele me domine por completo, mas cada vez que percebo que coisas que eram simples para mim, como escovar os cabelos, os dentes, tomar banho, subir um lance de escada, carregar uma sacola de compras, ficar em pé por alguns minutos, estão ficando cada vez mais difíceis de serem executadas, torna-se inevitável que eu pense no que me espera daqui há algum tempo e que seja envolvida pelo medo de me tornar cada vez mais dependente.
Eu não encaro esse medo que tem se feito tão presente ultimamente na minha vida como falta de coragem para enfrentar a Esclerose Múltipla, porque isso nunca desistirei de fazer e, jamais, me entregarei a ela sem resistir o quanto  puder, pelo contrário, eu o vejo como um temor inevitável que não acompanha só a mim, mas, a todos os que possuem uma enfermidade incurável e, sobremaneira, uma progressiva e degenerativa que sabemos, pode, realmente, nos incapacitar gravemente.
O medo que estou sentindo não é infundado, na verdade, ele é bastante real e justificável, uma vez que tenho notado minha memória se desgastando, palavras fugindo da minha boca, frases interrompidas no meio sem que eu me dê conta, perguntas repetidas ou respostas esquecidas, além de pernas enfraquecendo dia-a-dia, braços pesando 200 kg cada um e uma falta de energia que está empurrando meus limites para bem perto de zero.
Confesso, estou sentindo medo...

Beijos  no coração de todos!

terça-feira, 18 de junho de 2013

Aceitando o inevitável...

Bete Tezine, Autorretrato.
Pintura digital sobre fotografia, 2013.





Aceitar o inevitável é uma sábia decisão.

(Edson Marques)











A epígrafe com a qual iniciei este post fala de algo que, de uma forma ou de outra, acabamos por aprender: aceitar o inevitável. 
Existem acontecimentos em nossas vidas que, simplesmente, não dependem das nossas ações, reações ou interferências. Eles simplesmente acontecem e nós não temos controle algum sobre isso. Então, aceitar o que é inevitável é questão de sobrevivência, é a melhor forma de lidar com os sentimentos que afloram quando o inevitável acontece.
Eu não quis a Esclerose Múltipla na minha vida, eu não a desejei, eu não a imaginei um dia ligada a mim... mas ela veio, sorrateira, sem fazer barulho, devagarinho e se tornou um fato inevitável na minha vida, pois, por mais que eu quisesse, não teria como impedir a sua chegada, não dava para lhe dizer que não aceitava a sua companhia.. simplesmente ela faz parte da minha vida agora e o melhor para mim, em todos os sentidos, é aceitar a sua presença e viver ao lado dela da melhor maneira possível.
Do mesmo modo, todos nós gostaríamos de ter o poder de tornar as pessoas queridas imortais... quem não gostaria de não ter de viver para ver as pessoas que amamos partindo? Quem de nós nunca desejou segurar com nossas mãos, junto de nós, a vida daqueles pelos quais daríamos a nossa própria vida? Mas, por mais que desejemos isso, a morte é inevitável, pois, ela é a nossa única certeza... um dia, todos partem, porém, aceitar esse fato inevitável é doloroso demais, eu sei, no entanto, não temos outra alternativa que não seja nos permitir seguir vivendo e carregando, dentro de nós, o amor e a certeza de que um dia a saudade doerá menos e passará a ser ternura ao invés de lágrimas. Aceitar o inevitável, nesse caso, é se permitir sofrer, chorar, para depois continuar a viver da melhor maneira possível.
Não está sendo nada fácil, confesso, mas tenho aprendido, dia-a-dia, a aceitar o inevitável  como forma de diminuir a dor, a angústia, a revolta e a sensação de impotência por não ter o poder de alterar o que se instalou como imutável na minha vida.

Um beijo inevitável para todos!

sábado, 15 de junho de 2013

Sentirei saudades suas...






Sentimos saudade de certos momentos da nossa vida e de certos momentos de pessoas que passaram por ela.

(Carlos Drummond de Andrade)






Ontem, eu acordei com o telefone tocando, não era tão cedo, mas, como dormi muito tarde, estava sonolenta e atendi ao telefone ainda meio dormindo. Do outro lado, a voz da minha irmã me disse que tinha acabado de receber a notícia do seu falecimento. Nesse momento, eu pensei que estava sonhando e torci para que acordasse logo.
Desliguei o telefone, ainda entorpecida, mas, não despertei do sonho como esperava, pelo contrário, os minutos foram passando e eu fui me dando conta de que não tinha sido apenas um sonho ruim, mas, uma realidade dolorosa e absurdamente inesperada.
Depois que percebi que eu não estava dormindo, que tudo realmente tinha acontecido, eu busquei, até onde minha memória alcançou, lembranças do seu riso fácil, do seu bom humor constante, das suas piadas que faziam todos rirem, meu tio querido.
Como em uma retrospectiva, eu revi os tempos em que eu, ainda criança, descia com você e meus outros tios (formávamos um quarteto, lembra?), de carinho de rolimã, a rua da casa onde vocês moraram quando chegaram em São Paulo... o carrinho era enorme e, no final da descida, fazíamos uma curva e eu, sempre, colocava a mão no chão até o dia em que as rodinhas esmagaram meu dedo mínimo... nossa! Até hoje ele é tortinho, acredita?
Lembrei, também, dos bailinhos em que íamos nas casas de amigos, onde se comemoravam, geralmente, o aniversário de alguém... eu já era adolescente nessa época e amava, de verdade, a companhia dos meus tios que eram quase da minha idade e, você, como o mais velho, sempre cuidava de todos nós. 
Devo confessar, agora, o tamanho do ciúmes que senti quando conheceu uma moça e se encantou por ela, pois, acabaram as nossas idas aos barzinhos com música ao vivo e às festinhas de fundo de quintal, Agora você tinha namorada e não queria ninguém segurando vela, não é? 
Mas, depois do ciúme inicial, veio uma amizade com aquela moça que acabou sendo a sua esposa e mãe das suas filhas lindas e, embora eu não a chame de tia, de coração, ela é minha tia querida também.
Nesse ponto, minha memória deu um salto e voltou para  o dia em que você, sentado na minha cozinha, contava piadas que arrancavam gargalhadas de todos que ali estavam... naquele dia, também, falamos de um churrasco em minha casa que, infelizmente, acabou por nunca acontecer. 
Revi, ainda, a nossa ida para uma casa na praia, um verdadeiro programa de índio, não é mesmo? Quanta chuva, meu Deus! Três dias, literalmente, entocados, os homens jogando dominó, as mulheres papeando, cozinhando e eu no notebook, lembra disso também?
Mas, o momento mais hilário daquela nossa viagem, foi quando a chuva deu uma trégua e você, com todo o seu instinto humorístico, saiu para o quintal, ergueu as mãos para o céu e falou repetidas vezes: vem chuva... vem chuva... vem chuva... foi um riso geral e você foi acusado de estar fazendo a dança da chuva quando todos esperavam, ansiosamente, que o sol desse o ar de sua graça, coisa que não aconteceu.
Depois desse dia, só te vi mais uma vez, infelizmente, no aniversário da nossa sobrinha e você, como sempre, divertiu todo mundo. Foi a última vez que nos encontramos e sinto tanto por isso...
Meu tio amado, eu não tive coragem de ir ao seu sepultamento, não tive coragem de me despedir de você e nem de ver o sofrimento dos que te amavam (e que não eram poucos). Não foi por falta de consideração, não pense isso, foi por excesso de amor que não fui, pois eu preferi guardar na minha memória o seu riso fácil, suas palavras divertidas e seu semblante sempre feliz, mesmo diante das adversidades da vida.
Acho que nunca te disse isso em vida e, esse, é um dos muitos arrependimentos que carregarei comigo, o quanto eu sempre te amei e admirei. Muito obrigada, meu tio, por ter feito da minha infância e adolescência períodos inesquecíveis da minha vida. 
Não preciso te dizer o tamanho da saudade que vou sentir, mas, obrigada por ter sido um homem admirável e descanse em paz...

Beijos em seu coração que já não bate mais nesse mundo, mas,  tenho certeza, está cheio de ternura junto de Deus...