sábado, 15 de junho de 2013

Sentirei saudades suas...






Sentimos saudade de certos momentos da nossa vida e de certos momentos de pessoas que passaram por ela.

(Carlos Drummond de Andrade)






Ontem, eu acordei com o telefone tocando, não era tão cedo, mas, como dormi muito tarde, estava sonolenta e atendi ao telefone ainda meio dormindo. Do outro lado, a voz da minha irmã me disse que tinha acabado de receber a notícia do seu falecimento. Nesse momento, eu pensei que estava sonhando e torci para que acordasse logo.
Desliguei o telefone, ainda entorpecida, mas, não despertei do sonho como esperava, pelo contrário, os minutos foram passando e eu fui me dando conta de que não tinha sido apenas um sonho ruim, mas, uma realidade dolorosa e absurdamente inesperada.
Depois que percebi que eu não estava dormindo, que tudo realmente tinha acontecido, eu busquei, até onde minha memória alcançou, lembranças do seu riso fácil, do seu bom humor constante, das suas piadas que faziam todos rirem, meu tio querido.
Como em uma retrospectiva, eu revi os tempos em que eu, ainda criança, descia com você e meus outros tios (formávamos um quarteto, lembra?), de carinho de rolimã, a rua da casa onde vocês moraram quando chegaram em São Paulo... o carrinho era enorme e, no final da descida, fazíamos uma curva e eu, sempre, colocava a mão no chão até o dia em que as rodinhas esmagaram meu dedo mínimo... nossa! Até hoje ele é tortinho, acredita?
Lembrei, também, dos bailinhos em que íamos nas casas de amigos, onde se comemoravam, geralmente, o aniversário de alguém... eu já era adolescente nessa época e amava, de verdade, a companhia dos meus tios que eram quase da minha idade e, você, como o mais velho, sempre cuidava de todos nós. 
Devo confessar, agora, o tamanho do ciúmes que senti quando conheceu uma moça e se encantou por ela, pois, acabaram as nossas idas aos barzinhos com música ao vivo e às festinhas de fundo de quintal, Agora você tinha namorada e não queria ninguém segurando vela, não é? 
Mas, depois do ciúme inicial, veio uma amizade com aquela moça que acabou sendo a sua esposa e mãe das suas filhas lindas e, embora eu não a chame de tia, de coração, ela é minha tia querida também.
Nesse ponto, minha memória deu um salto e voltou para  o dia em que você, sentado na minha cozinha, contava piadas que arrancavam gargalhadas de todos que ali estavam... naquele dia, também, falamos de um churrasco em minha casa que, infelizmente, acabou por nunca acontecer. 
Revi, ainda, a nossa ida para uma casa na praia, um verdadeiro programa de índio, não é mesmo? Quanta chuva, meu Deus! Três dias, literalmente, entocados, os homens jogando dominó, as mulheres papeando, cozinhando e eu no notebook, lembra disso também?
Mas, o momento mais hilário daquela nossa viagem, foi quando a chuva deu uma trégua e você, com todo o seu instinto humorístico, saiu para o quintal, ergueu as mãos para o céu e falou repetidas vezes: vem chuva... vem chuva... vem chuva... foi um riso geral e você foi acusado de estar fazendo a dança da chuva quando todos esperavam, ansiosamente, que o sol desse o ar de sua graça, coisa que não aconteceu.
Depois desse dia, só te vi mais uma vez, infelizmente, no aniversário da nossa sobrinha e você, como sempre, divertiu todo mundo. Foi a última vez que nos encontramos e sinto tanto por isso...
Meu tio amado, eu não tive coragem de ir ao seu sepultamento, não tive coragem de me despedir de você e nem de ver o sofrimento dos que te amavam (e que não eram poucos). Não foi por falta de consideração, não pense isso, foi por excesso de amor que não fui, pois eu preferi guardar na minha memória o seu riso fácil, suas palavras divertidas e seu semblante sempre feliz, mesmo diante das adversidades da vida.
Acho que nunca te disse isso em vida e, esse, é um dos muitos arrependimentos que carregarei comigo, o quanto eu sempre te amei e admirei. Muito obrigada, meu tio, por ter feito da minha infância e adolescência períodos inesquecíveis da minha vida. 
Não preciso te dizer o tamanho da saudade que vou sentir, mas, obrigada por ter sido um homem admirável e descanse em paz...

Beijos em seu coração que já não bate mais nesse mundo, mas,  tenho certeza, está cheio de ternura junto de Deus...

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