terça-feira, 15 de outubro de 2013

É primavera, outra vez...

A primavera sempre virá
Bete Tezine, 2011.
Colagem sobre fotografia, 25 x 35 cm.







Aprendi com as primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre inteira.


(Cecília Meireles)












É primavera, outra vez... Não consigo entender bem minha estranha relação com esta estação do ano, mas sei que ela mexe comigo de todas as formas possíveis. Não há primavera que chegue e me deixe como estava. Eu sempre passo por metamorfoses nesse período e, esse que se iniciou há pouco, não está sendo uma exceção.
A primavera de 2013 chegou e me pegou em meio a diversos conflitos emocionais, me pegou fragilizada outra vez, o que escancarou as portas para a Esclerose Múltipla sabotar minhas defesas e se apossar de mim impiedosamente. Sim, estou em surto. Ganhei novas lesões no cérebro como presente primaveril, um verdadeiro presente de grego, mas, é assim que essa malvada age, sempre. 
Há quase duas semanas estou prostrada, de cama, sentindo meu corpo perder, dia-a-dia, as defesas contra os desmandos da Esclerose Múltipla. São tantas vertigens, fraquezas musculares, tremores internos, desequilíbrios, que chego a pensar que desta vez ela está prestes a me vencer. 
Outro dia, ouvi de uma pessoa que não tem Esclerose Múltipla e que nunca me viu pessoalmente, principalmente em dias como estou hoje, que eu sou dramática, que faço da minha vida uma novela, tudo porque jamais escondo o que sinto, não disfarço medos, tristezas, dores, angústias, alegrias, esperanças... sou transparente, mas isso nem sempre é visto com bons olhos, na maioria das vezes é interpretado como forma de autopromoção ou de autovitimização. 
Se isso me incomoda? Por momentos, até que sim, mas depois eu penso que a opinião alheia não interessa, muito menos daqueles que não sabem exatamente quem eu sou e nem convivem, de perto, com uma doença tão imprevisível e debilitante quanto a que tenho. Então, eu tento deletar esse tipo de comentário e seguir minha vida da maneira mais adequada às minhas reais necessidades.
Bem, voltando ao meu surto primaveril, devo confessar que estou realmente amedrontada, pois, nenhum dos outros que tive anteriormente, me deixou tão debilitada quanto este. A falta de energia é tão grande que digitar este texto está sendo um verdadeiro teste de resistência física. Minhas pernas estão se recusando a me levar aonde preciso ir, minha mente está cansando de pensar, meus olhos cansando de enxergar... falar está sendo exaustivo, fico ofegante, me perco no meio da frase, as palavras dançam na minha boca. Confesso, que de todos os medos que a minha companheira já me proporcionou, este está sendo o mais latente de todos. 
Como é difícil ver sonhos sendo arquivados sem possibilidades de realizações. Como é frustrante ter de abrir mão de partes da nossa vida sem ter sido nos dado a chance de escolha. Como é complexo carregar conosco uma enfermidade muitas vezes invisível aos olhares externos, mas que nos incapacita, debilita, amedronta e extenua covardemente. Hoje, muito mais que em outros dias, essa sensação está aflorada, talvez pela data (dia dos professores), talvez por estar olhando o mancebo, repleto de roupas dependuradas, no canto do meu quarto, e eu não ter forças para colocá-las de volta no armário. 
É muito difícil para quem não vivencia a Esclerose Múltipla, seja como portador, seja como alguém muito próximo, entender a real dimensão do que ela provoca em nós que a carregamos, por mais que haja boa intenção.
Então, para os que compartilham da opinião de que assumir os próprios medos e deficiências é fazer drama, deixo um recado: não é falta de otimismo, não é fraqueza, não é autopromoção, não é se fazer de vítima, mas, apenas, minha condição de vida como portadora de uma doença incurável, progressiva e imprevisível que vocês jamais entenderão de verdade. 

Beijos fadigados no coração de todos!

2 comentários:

  1. Bete Tezine; Obrigada pela generosidade de escrever e nos deixar ler seus textos tão bem escritos. Você nos diz coisas que sentimos e pensamos e que não sabemos verbalizar. A Esclerose Múltipla entrou na minha vida ao afetar a minha filha ao 35 anos de idade. Talvez por saber um pouco mais sobre a EM, em mim o impacto foi maior que aos outros família. Mesmo em 42 anos de exercício da medicina ainda não tinha convivido com a EM de perto. Aprendo cada dia mais sobre "o monstro" e as leituras que faço me dão esperanças de que as coisas possam evoluir bem, e que tudo não será tão ruim como pensei. Obrigada Bete. Um abraço! Que você tenha um Feliz Natal, sem surtos e com os seres que ama.
    Irene Andrade

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    1. Olá Irene!
      Que você sempre tenha a força e o entendimento necessário para caminhar ao lado da sua filha! Que 2014 traga muita luz, amor, paz e esperança para todos da sua família e que seja um ano sem surtos pra vocês também! Beijos no coração!

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