sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Sobre surtar...






Não somos sempre o que queremos, mas o que as circunstâncias nos permitem ser.


(Marquês de Maricá)






Você está razoavelmente bem, dentro do que é possível estar sendo esclerosado, quando, sem ao menos avisar, a malvada da Esclerose Múltipla resolve te fazer surtar e todos os ganhos que teve em relação às sequelas do último surto são reduzidas a nada e você tem de começar tudo outra vez.
Esse recomeçar constante vai minando nossas energias, desgastando nossas forças e, cada dia mais, precisamos nos transformar em heróis, a fim de não sucumbir e ficarmos completamente à mercê dessa impotência que nos atinge quando um surto nos pega.
Mas, como eternos insatisfeitos com a situação em que estamos, jamais nos deixamos enraizar no que não nos faz bem e então arrumamos forças, não se sabe de onde,  nos levantamos e recomeçamos... e recomeçamos... e recomeçamos por quantas vezes se fizerem necessárias.
Surtar envolve tantas coisas... surtar vai muito além de ganharmos uma nova lesão ou uma antiga entrar em atividade, inflamando nosso sistema nervoso central... surtar vai além de termos nossa capacidade física reduzida... vai além de termos de nos entupir de corticoides, pulsando, pulsando, pulsando... surtar vai além de incharmos, ficarmos insones mesmo nos sentindo exaustos... surtar é o grau máximo de esclerosar, é sentir pungentemente o peso da Esclerose Múltipla nas nossas vidas... surtar envolve nosso corpo, nossa mente, nossas emoções e nossa capacidade de superação.
Fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicoterapia, exercícios físicos, medicamentos para amenizarem as dores, as vertigens, a fadiga extrema; a ansiedade, o medo de um novo surto, a possibilidade de troca de medicação... tudo isso vem na bagagem do surto. Precisamos de tempo para nos recuperar de algo que chega repentinamente, mas que não vai embora como chegou.
Surtar nos deixa frágeis, emotivos e poucos entendem a real dimensão disso, na verdade, a maioria acredita que basta termos força de vontade que tudo voltará a ser como estava antes... ah! como queríamos que apenas nosso querer pudesse dar conta de nos colocar de pé de novo, de nos deixar no mesmo parâmetro que estávamos antes do surto... seria simplesmente uma questão de querer ou não querer, coisa que não existe quando se trata da Esclerose Múltipla, pois ela não obedece ao nosso querer, ela é indisciplinada, sádica, bipolar e imprevisível. Nosso querer, com relação a ela, se atém a não nos entregarmos por completo, a sempre lutarmos quando ela nos tiraniza... nosso querer nos dá energia para nos levantarmos após cada surto e tentar nos recuperar dos estragos que ele provocou em nós. 
Nosso querer não impede o surto, mas impede que sucumbamos.
Então, é hora de recomeçar, mais uma vez...

Beijos no coração de todos que estão recomeçando!


2 comentários:

  1. Olá tudo bem?
    Muito bom o texto, realmente é dificil para muitos entender a real dimensão do que um surto causa na gente.

    Fui dignosticada em Junho/2014 qdo tive meu 2º surto. Hoje ainda vivo aquela indecisão de saber o que é surto e o que alguma outra coisa que esta piorando as sequelas já existentes? Alguma dica?
    Quais sintomas você teve nos últimos surtos?

    Força! Tudo de bom.
    Beijos
    Simone

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    1. Olá Simone!

      Eu costumo dizer que devo ter nascido esclerosada já, pois nunca tive a destreza e energia das outras crianças para correr, pular e brincar. Aos 13 anos tive minha primeira crise de vertigens, tão acentuada, que não conseguia parar em pé. Me levaram ao médico, ele me examinou e me encheu de vitaminas, sem um exame sequer.
      O tempo passou, eu cresci com as crises de vertigens ficando cada vez mais constante e, para complementar, passei a ter crises de enxaquecas também. Eu perdi a conta de quantos neurologistas eu procurei, de quantas tomografias eu fiz, a quantos exames otoneurológicos fui submetida e de quantos medicamentos para labirintite e dor eu ingeri.
      Depois que tive minha segunda filha, há quase 15 anos, um outro sintoma passou a me incomodar muito, dores fortes e debilitantes nas pernas, razão pela qual busquei vários cirurgiões vasculares e todos, sem exceção, não diagnosticaram nada que pudesse justificar as dores que eu sentia.
      Há cerca de 10 anos, tive um problema no olho direito, eram dores lancinantes que me obrigavam a manter a mão sobre ele, porém, o oftalmologista também não encontrou o que estava afetando meu olho e, com o passar dos dias, a dor desapareceu.
      Paralelo a tudo isso, eu fui percebendo que a cada dia me sentia mais cansada, sem forças, sem disposição, dormia a noite inteira e acordava pior do que quando fui dormir. Eu sabia que algo estava errado comigo, no entanto, os médicos não descobriam, aliás, nem se interessavam em descobrir, chegando mesmo a dizer que era tudo psicológico, que era criação da minha cabeça.
      E, assim, fui vivendo, sem nenhuma qualidade de vida, deprimida, sofrendo, pois achava que nunca iria saber o que me fazia sentir tanta dor, tonturas e fadiga extrema, até que, em setembro de 2011, percebi que tudo que eu tocava com meu pé esquerdo estava quente, embora ele estivesse com a mesma temperatura que o outro. No dia seguinte, essa sensação de calor já estava tomando conta de todo lado esquerdo do meu corpo e, aliado a isso, percebi que tinha perdido toda a sensibilidade também, além de sentir dores muito fortes, o que para mim era um total paradoxo. Não sentia o toque, mas sentia dor. Notei, ainda, que estava com andar de bêbado e que minha coordenação motora fina, de ambas as mãos, estava bem prejudicada. Então, começou uma nova peregrinação pelos consultórios médicos.
      Eu tenho 10 pinos e 1 placa no tornozelo esquerdo por conta de uma fratura, portanto, os médicos atribuíram o que eu estava sentindo à inflamação nessa região e me passaram anti-inflamatórios que de nada resolveram. Porém, quando cheguei no médico que fez a minha cirurgia, ele descartou a teoria dos demais médicos e me encaminhou para o neurologista, no qual eu cheguei em dezembro, 3 meses após o início dos sintomas.
      Lembro nitidamente da sensação que senti quando a neurologista, após me examinar, começou a me fazer perguntas que eu, na ocasião e na minha total ignorância sobre o que eu tinha, achei completamente descabidas, mas, que depois descobri serem totalmente pertinentes. Assim, coisas que para mim estavam passando desapercebidas, como a dificuldade urinária, por exemplo, foram sendo lembradas diante dos questionamentos a que ela me submeteu.
      Saí da consulta com várias guias de exames e, em 01 de fevereiro de 2012, recebi o diagnóstico oficial de Esclerose Múltipla e, 02 meses depois, iniciei o uso do interferon 3 vezes por semana.
      Sendo assim, meu diagnóstico é relativamente recente, no entanto, como disse no início, acredito que já nasci esclerosada.

      Bjs e força!

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