terça-feira, 27 de janeiro de 2015

As doenças de cada um...

Fonte: Google imagens


A ciência pode ter quebrado o preconceito das pessoas sobre as doenças, mas não das pessoas sobre os doentes.


(Pedro Bravo de Souza)



E um dia você acorda profundamente exausto, com dores que não te dão trégua, com o corpo sem energia até para falar, com o estômago detonado de tantos remédios e ouve de alguém que você  tem de ser forte porque existem doenças muito piores que a sua... 
Você respira fundo, conta até mil, na verdade gostaria de contar até 1 milhão, mas a fadiga não deixa, e se põe a pensar em todas as doenças mais graves que a Esclerose Múltipla que você poderia ter e descobre que existem muitas mesmo. 
No entanto, o que as pessoas não entendem é que cada um convive com as suas próprias dores e  com os estragos que elas provocam. É obvio que nos solidarizamos e nos condoemos pelos que sofrem de todo tido de enfermidade, seja uma unha encravada ou um câncer, não importa, mas a dor de cada um é única, não tem comparação
A Esclerose Múltipla, teoricamente, não mata, mas ela vai ficando cada dia mais pesada para a maioria de nós. O tempo vai nos fazendo sentir, cada vez mais latente,  o tamanho do fardo que carregaremos para o resto das nossas vidas. 
As medicações, os tratamentos, as consultas rotineiras, os exames, as terapias, o sentir-se exaurido, as dores constantes, as parestesias, a perda de força, as dificuldades de fala e de deglutição, os descontroles urinários, os desequilíbrios, a falta de coordenação motora, os efeitos colaterais dos medicamentos, as oscilações emocionais, os medos, a ansiedade, a imprevisibilidade... tanta coisa que a Esclerose Múltipla traz na sua bagagem que muitas vezes se torna impossível suportar o seu peso e, então, um surto nos pega sem piedade alguma.
Realmente, a Esclerose Múltipla não é a pior das doenças que poderíamos ter, afinal ela não mata rápido como um câncer agressivo, ou a ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), ou outras doenças fatais. Ela vai minando nossa energia aos pouquinhos. Vai afastando muitos sonhos, muitas pessoas, vai nos fazendo dependentes por mais que resistamos. Dependentes de medicamentos, dependentes de pessoas, dependentes de reconstruir sonhos e projetos a cada dia, dependentes de buscar forças de onde não parecia possível mais existir, dependentes de cultivar esperanças, dependentes de não desistir nunca...
Então, quem acha que não somos fortes porque um dia ou outro nos rebelamos contra nossa companheira de vida, porque queremos ter o direito, num dia ruim, de nos fragilizar e nos sentir os mais infortunados do mundo, deve aprender a respeitar a dor alheia e compreender que a maior dor do mundo é a de quem a está sentindo, porque, parafraseando Shakespeare, qualquer um é capaz de suportar uma dor, exceto quem a sente.

Beijos na alma!


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Quando negam um direito seu...


Não queremos ser diferentes, e, sim, que todo mundo tenha o direito de ser como é.


(Renato Russo)


Fonte: Google imagens

Sabe aquele dia em que você acorda e, sair da cama, se torna uma batalha quase invencível de tantas dores, fadiga, fraqueza que você adquiriu durante o sono? Pode parecer ironia, mas é bem assim mesmo, vamos dormir razoavelmente bem e acordamos exauridos, como se tivéssemos disputado uma prova de triatlo durante o sono. Esclerosados vão na contramão de "uma boa noite de sono é capaz de restaurar as energias do corpo". É deprimente, lamentável, mas a mais pura realidade.
Pois bem, voltando à indagação inicial, quem de nós que vive acompanhado pela Esclerose Múltipla nunca acordou assim? Devo dizer que isso faz parte da minha rotina há tanto tempo que, por diversas vezes antes do diagnóstico, eu disse a mim mesma que só podia estar muito doente, tamanha a falta de energia que me dominava ao despertar.
Hoje, foi um desses dias em que acordei com tanta dor que tive de recorrer às muletas para conseguir ir ao banheiro. O banho foi uma luta da qual quase sai vencida, pois a fadiga, a falta de força nos braços me fizeram adiar a lavagem dos cabelos e ficar quase inerte embaixo do chuveiro. Me vestir, me pentear, me maquiar foi outro cabo de guerra, pois eu insistia de um lado, a Esclerose me puxava pro outro, por fim, consegui após muitas pausas, completamente ofegante, ficar apresentável para sair de casa.
Eu ainda não estou completamente recuperada da fratura no tornozelo e o surto de final de primavera enfraqueceu e causou ainda mais dores nas minhas pernas, motivo pelo qual, mesmo ingerindo analgésicos fortes, preciso de apoio para andar. Assim, lá fui eu, mancando, as pernas instáveis, apoiada na bengala, até um posto de atendimento do meu plano de saúde buscar autorização para fazer Ressonância magnética de crânio. 
Chegando lá, me deram uma senha normal. Então, educadamente, pedi à recepcionista que a trocasse, pois eu precisava de senha preferencial, afinal, só de olhar para mim dava para constatar que eu apresentava deficiência física naquele momento.  No entanto, ela sem levantar a cabeça, perguntou: por que precisa de senha preferencial, você é gestante? Eu respirei fundo e respondi: não, eu não sou, mas tenho Esclerose Múltipla, uma das doenças que me dá direito ao atendimento preferencial, sobremaneira no estado em que estou hoje. Sem  ao menos olhar na minha cara, ela simplesmente me disse: não interessa seu diagnóstico, você não tem direito à senha preferencial. Eu contei até dez e respondi: nunca ninguém me barrou no atendimento preferencial aqui, na verdade, nem em outro local qualquer, então eu vou retirar a senha preferencial e vou ser atendida, mesmo que para isso eu precise chamar a polícia. Ao ouvir isso, um rapaz que estava ao lado dela trocou minha senha e me pediu para aguardar.
Meu dia que já não tinha começado bem, conseguiu ficar um pouco pior. A recepção estava lotada, o ar condicionado não dando conta do calor, minhas pernas começando a formigar e um nó sem tamanho na garganta. Eu me senti muito mal naquele instante por ter de brigar por um direito meu, justamente em um dia em que a Esclerose Múltipla estava visível aos olhos de qualquer um... bastava olhar para mim e ver que eu tinha o direito de ser atendida preferencialmente.
Me senti tão pequena, tão insignificante, os olhares voltados para mim, as pessoas cochichando baixinho... eu normalmente não me abato por coisas desse tipo, na verdade, tiro de letra, costumo ir até o fim para ter um direito meu assegurado, todavia, em dias como o de hoje, em que as lágrimas ficam esperando para cair, em que as dores tiranizam meu corpo e minha alma, eu me sinto sem energia, quase desisto, mas daí arrumo forças, levanto a cabeça e exijo o que a lei me garante.
Por fim, fui atendida e relatei à supervisora de plantão o ocorrido e espero, sinceramente, que ninguém depois disso passe pelo mesmo  constrangimento que eu sofri quando necessitar usar os serviços daquele local.

Beijos fadigados, doloridos e acalorados!


sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Sobre surtar...






Não somos sempre o que queremos, mas o que as circunstâncias nos permitem ser.


(Marquês de Maricá)






Você está razoavelmente bem, dentro do que é possível estar sendo esclerosado, quando, sem ao menos avisar, a malvada da Esclerose Múltipla resolve te fazer surtar e todos os ganhos que teve em relação às sequelas do último surto são reduzidas a nada e você tem de começar tudo outra vez.
Esse recomeçar constante vai minando nossas energias, desgastando nossas forças e, cada dia mais, precisamos nos transformar em heróis, a fim de não sucumbir e ficarmos completamente à mercê dessa impotência que nos atinge quando um surto nos pega.
Mas, como eternos insatisfeitos com a situação em que estamos, jamais nos deixamos enraizar no que não nos faz bem e então arrumamos forças, não se sabe de onde,  nos levantamos e recomeçamos... e recomeçamos... e recomeçamos por quantas vezes se fizerem necessárias.
Surtar envolve tantas coisas... surtar vai muito além de ganharmos uma nova lesão ou uma antiga entrar em atividade, inflamando nosso sistema nervoso central... surtar vai além de termos nossa capacidade física reduzida... vai além de termos de nos entupir de corticoides, pulsando, pulsando, pulsando... surtar vai além de incharmos, ficarmos insones mesmo nos sentindo exaustos... surtar é o grau máximo de esclerosar, é sentir pungentemente o peso da Esclerose Múltipla nas nossas vidas... surtar envolve nosso corpo, nossa mente, nossas emoções e nossa capacidade de superação.
Fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicoterapia, exercícios físicos, medicamentos para amenizarem as dores, as vertigens, a fadiga extrema; a ansiedade, o medo de um novo surto, a possibilidade de troca de medicação... tudo isso vem na bagagem do surto. Precisamos de tempo para nos recuperar de algo que chega repentinamente, mas que não vai embora como chegou.
Surtar nos deixa frágeis, emotivos e poucos entendem a real dimensão disso, na verdade, a maioria acredita que basta termos força de vontade que tudo voltará a ser como estava antes... ah! como queríamos que apenas nosso querer pudesse dar conta de nos colocar de pé de novo, de nos deixar no mesmo parâmetro que estávamos antes do surto... seria simplesmente uma questão de querer ou não querer, coisa que não existe quando se trata da Esclerose Múltipla, pois ela não obedece ao nosso querer, ela é indisciplinada, sádica, bipolar e imprevisível. Nosso querer, com relação a ela, se atém a não nos entregarmos por completo, a sempre lutarmos quando ela nos tiraniza... nosso querer nos dá energia para nos levantarmos após cada surto e tentar nos recuperar dos estragos que ele provocou em nós. 
Nosso querer não impede o surto, mas impede que sucumbamos.
Então, é hora de recomeçar, mais uma vez...

Beijos no coração de todos que estão recomeçando!