quarta-feira, 10 de abril de 2013

Apenas um pedido, por favor...

Bete Tezine, Autorretrato, 2013.



Sei que às vezes uso palavras repetidas,
Mas quais são as palavras que nunca são ditas?

(Renato Russo)






Embora o meu diagnóstico de "esclerosada" tenha sido feito apenas há pouco mais de 1 ano,  acredito que já tenha dito, em outros posts, que a minha companheira de vida me acompanha, anonimamente, há mais de 1/3 da minha existência.
Ela me perseguiu, durante anos, como uma sombra que se esgueirava pelos becos da minha vida, se fazendo sentida sem, no entanto, mostrar sua face ou ao menos dizer o seu nome.
Por anos, senti os efeitos de carregá-la comigo por onde quer que eu fosse. Suportei o seu peso, suas manias, seus desmandos e, muitas vezes, acreditei que minha mente inventava coisas a fim de justificar minha falta de energia, minhas dores constantes, minhas vertigens extenuantes, me sentindo culpada por não ser como as demais pessoas que viviam ao meu redor.
De tudo o que mais me maltratou, durante todos esses anos que senti todos os sintomas da Esclerose Múltipla, sem saber quem ela era, foi perceber que eu não tinha mais a mesma habilidade com as palavras, a mesma articulação ao falar, nem a mesma memória de antes. 
Essa percepção não veio rápida, nem da forma menos traumática possível, muito pelo contrário, ela veio carregada de reprovações, de comentários dolorosos e de uma perda constante de confiança em mim mesma.
Não foi nada fácil ouvir, de algumas pessoas, o quanto elas odiavam a minha estranha mania de deixar as frases pela metade, de parar de falar sem ter completado o raciocínio, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. 
Foi difícil, ao extremo, receber como resposta a uma pergunta minha, que já tinham me respondido aquilo mais de mil vezes, sem que eu me lembrasse que já havia feito aquela mesma pergunta diversas vezes, anteriormente.
Foi, terrivelmente angustiante, perceber que ao escrever ou falar, palavras corriqueiras, que sempre fizeram parte do meu vocabulário, fugiam de mim, se escondendo em um canto da minha mente, me deixando com a frustrante sensação de que eu estava desaprendendo a falar.
Hoje, sei que tudo isso são sintomas da Esclerose Múltipla que, embora nunca me deixará senil, brinca com a minha mente e oculta de mim alguns aspectos da minha capacidade de articulação e lembranças. Hoje, eu tenho consciência de que, não depende do meu querer, deixar uma frase pela metade ou não me lembrar que já contei um fato ou fiz a mesma pergunta diversas vezes. Hoje, eu sei que não sou a única a passar por isso, mas que inúmeros "esclerosados", assim como eu, também vivenciam essa mesma sensação de perda de controle da nossa própria capacidade de interação e de expressão.
Por tudo isso, quero fazer apenas um pedido, ou melhor, um apelo àqueles que não sentem, na própria pele, todos os sintomas que a enfermidade neurológica traz em sua bagagem: por favor, eu peço encarecidamente, em nome de todos os portadores de Esclerose Múltipla que apresentam os mesmo sintomas que eu, nunca mais, em hipótese alguma, demonstrem irritação por terem de responder a mesma pergunta várias vezes, ou, por terem de ouvir a mesma história diversas vezes, também. Sei que não é fácil, sei que é muito chato mesmo, sei o quanto é perturbador tudo isso, no entanto, acreditem, para nós, portadores, é extremamente constrangedor e angustiante nos sentirmos sem domínio da nossa própria memória. 
Assim, não é que eu queira, com isso, dizer que vocês terão de ouvir a mesma história ou responder à mesma pergunta indefinidamente, ou mesmo, ficarem sem saber o final do que começamos a dizer e não concluímos. Na verdade, o que estou tentando mostrar é que existem maneiras menos constrangedoras de sermos alertados quanto a isso, pois, ao invés de dizerem a famosa frase: já te respondi isso mil vezes, por favor, digam apenas, educadamente: você já me fez essa pergunta, mas, se não se lembra, vou te responder novamente; ou, o que você estava dizendo mesmo? 
Pronto, não é tão difícil assim tornar um pouco menos incômodo a nossa convivência com esses sintomas que, ao menos para mim, são os mais difíceis de suportar, pois ao contrário da fadiga ou das vertigens, eles afetam, não apenas eu, mas também aqueles com quem eu convivo. 

Um beijo... mas, se eu já mandei anteriormente, por favor, perdoem-me!

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