Bete Tezine, Autorretrato, 2013. |
Hoje, poderiam me perguntar tudo, desde o dia de minha morte
até o imprevisível , mas não como me sinto.
(Parri Xoots)
Eu acredito que o fator mais angustiante de ter como companhia de vida a Esclerose Múltipla, é a sua imprevisibilidade. Aliás, ela é uma doença imprevisível por natureza, não diz quando vai chegar, não diz quando vai se manifestar, não diz como vai nos deixar, não diz o que pretende fazer com cada um de nós que a possui... não nos diz nada sobre sua personalidade bipolar, não se revela por inteiro, não marca hora, nem lugar, para nos fazer reféns dos seus caprichos.
É muito difícil para nós, "esclerosados", acordarmos em uma manhã ensolarada, abrir a janela, sentir o vento no rosto e os raios de sol ofuscando nossos olhos, respirar fundo e pensar, internamente: hoje, eu estou bem, acordei sem dor, com disposição, hoje tem tudo para ser um grande dia! Porém, algumas horas depois, às vezes menos que isso, sentimos como se um aspirador gigante fosse aspirando nossa energia, paulatinamente.... nossas pernas pesam, os braços queimam e perdem a força, nossa visão fica turva, nossos pensamentos se embaralham, a cabeça gira e, o dia que estava radiante, escurece repentinamente...
Então, nesses momentos, sentimos na pele a total falta de previsibilidade da nossa companheira constante e, ao menos para mim, apesar de todo desconforto que isso provoca, não é o mais difícil de enfrentar, mas, o complicado mesmo, é lidar com a incompreensão daqueles que não compartilham conosco dessa companhia indigesta.
Como é decepcionante ouvir essa fala: nossa! Mas você estava tão bem agora há pouco! O que aconteceu para você ficar assim de repente?
Como é terrível ver olhares desconfiados, voltados para nós, toda vez que somos extenuados pelos desmandos da Esclerose Múltipla.
Como é frustrante termos de desmarcar compromissos assumidos, instantes antes do combinado, por não termos condições físicas e, até mesmo emocionais, de comparecermos a eles?
Como é angustiante percebermos as ironias veladas quando descrevemos como estamos nos sentindo e, o outro, encara como desculpa para não honrarmos o que combinamos.
Eu já perdi a conta das vezes em que me vi em situações como essas por conta dos sintomas imprevisíveis da doença autoimune. Foram inúmeras as vezes em que desmarquei dentista, aulas de pilates, deixei de ir a festas em que fui convidada, faltei a reuniões familiares, tudo por conta do mal estar repentino que se apossa de mim, sem aviso prévio, e me debilita por completo.
Por tudo isso, é importante que não deixemos de falar sobre nossas dificuldades e angústias como "esclerosados", pois, só assim, com a conscientização acerca do que é viver com Esclerose Múltipla, poderemos um dia, quem sabe, deixarmos de ser olhados com ironia, dó ou descrença, pois é o desconhecimento que leva ao preconceito, ou melhor, ao pré-conceito, pois, mesmo sem saber exatamente das nossas mazelas como pacientes, pessoas nos julgam e nos magoam profundamente.
Um beijo que, ao menos, é previsível no final dos meus posts!