Bete Tezine, Autorretrato, 2014. |
O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos fez crer a religião. O corpo é uma festa.
(Eduardo Galeano)
Eu tenho um corpo.
Essa afirmação pode parecer completamente óbvia, pois há de se dizer que todos têm um corpo, no entanto, posso assegurar, com a mais pura convicção, que para mim não é nada óbvio descobrir que tenho um corpo.
Na verdade, para muitas mulheres, na minha faixa etária, descobrir-se dona de um corpo é algo surpreendente, mas, ironicamente, é na fase em que o "músculo do tchau" começa a dar ares de desabar, quando a cintura ganha centímetros indesejados, quando marcas de expressão começam a saltar diante do espelho... são nestes momentos que tomamos consciência do nosso corpo e de todas as funções e sensações contidas nele.
Eu tive uma adolescência difícil, praticamente fui obrigada a pular da infância para a idade adulta, pois não tive tempo de acompanhar as mudanças do meu corpo, sentir-me transformando de menina em mulher. Eu estava ocupada demais garantindo as subsistências minha, da minha mãe e irmãos...
Já adulta, casada, meu corpo foi o veículo para eu me tornar mãe, para amamentar meus filhos e eu não me dei conta de que ele era meu e não eu dele.
Eu o negligenciei tanto que ele, arredio, avolumou-se a fim de chamar minha atenção, e eu, acho que pela primeira vez, me dei conta da sua presença, mas não da forma que deveria, mas com repulsa, com desprezo, pois ele não era o corpo que eu queria ter ou que achava que queria.
Então, eu o ignorei, e continuei sem corpo...
Os anos passaram, eu fugindo do espelho, escondendo-me atrás de roupas enormes, mantendo a atenção sobre mim o mais longe possível, um dia acordei esclerosada e, obrigatoriamente, fui obrigada a perceber que meu corpo não estava respondendo mais aos comandos do meu cérebro... então, naquele dia, eu percebi que tinha um corpo, ou melhor, metade de um, pois a metade esquerda eu via, mas não sentia...
Eu parei e me olhei no espelho, analisei cada detalhe do corpo que vinha carregando sem perceber, ou sendo carregada por ele sem me dar conta, e percebi que ele não era bem o que eu queria que fosse, mas era o que eu tinha e que ele sentia coisas, coisas boas também, não apenas dores... ele sentia prazer com alguns toques, algumas texturas, alguns estímulos...
Eu tinha um corpo... o meu corpo... e ele estava ali a espera de ser valorizado e amado por mim... e eu o amei, amei como se ama a primeira obra de arte produzida, a primeira melodia composta, as primeiras estrofes do poema escrito... amei como se ama um raio de sol em meio à tempestade... a chuva depois de meses de seca... o sorriso após horas de choro convulsivo... eu o amei e ele se transformou... meu corpo se transformou em meu aliado...
Hoje, chamada de gorda por alguns, de fofinha por outros, de obesa pela medicina... eu não me importo mais com estigmas, nem com os "braços de estivador de porto", como eu sempre os apelidei, nem com as coxas grossas demais para os padrões de beleza midiáticos. O que me importa agora é que meu corpo me transporta para dimensões inimagináveis... basta eu fechar os olhos e me deixar levar...
Beijos corporais no coração de todos!
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