quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Realmente, se fosse fácil não teria graça!



Eu estava sentada na plateia do teatro, aguardando o começo do monólogo "Se fosse fácil não teria graça" encenado por Nando Bolognesi que aguardava, também, pelo começo da peça sentado numa cadeira no canto direito do palco. Á princípio, meus olhos fixaram-se apenas em seu rosto, mas, num relance, pude perceber as muletas pousadas, estrategicamente, no chão, uma de cada lado dos pés da cadeira. Nesse momento, foi que me lembrei de que ele, assim como eu, era esclerosado. Disso eu já sabia, mas, como ele mesmo diz durante a apresentação, só me caiu a ficha, ou melhor, me passaram um whatsapp, no momento em que meus olhos pousaram nas muletas. 
Então, olhei para a plateia a minha volta e me perguntei, mentalmente, quantos esclerosados, como eu e o Nando estavam ali naquele instante. Realmente nunca vou saber a resposta, pois em momento algum isso foi questionado a nós espectadores. No entanto, de algo eu tenho certeza, assistir a peça sendo esclerosado tem um significado muito, mas muito diferente de assistir não possuindo a doença e, mesmo os que convivem com esclerosados, nunca vão entender a real dimensão do que é ouvir as piadas feitas por ele sobre as situações embaraçosas vivenciadas por conta da Esclerose Múltipla.
A forma como ele aborda a chegada dela em sua vida, o seu desenvolvimento, as limitações que ela foi lhe impondo e o seu constante reinventar-se, arrancou risadas do público e minhas também, mas na maioria das vezes meu riso foi um riso nervoso, um riso de assentimento, como se eu tivesse dizendo pra ele: como eu te entendo, como eu sei exatamente do que você está falando... e, mesmo quando ele falou de sintomas que eu não tenho, mas que eu sei que não estou livre de vir a desenvolver, uma vez que a Esclerose Múltipla é completamente imprevisível, eu senti na própria pele o que é precisar transformar-se, dia-a-dia, a fim de seguir adiante e não se deixar dominar pelos desmandos da enfermidade.
No desenrolar da peça, pude ir traçando paralelos entre cada perda dele e cada uma das minhas perdas, entre cada uma das vezes que fui desviada dos meus projetos e tive de retraçar novos planos, entre cada renascer dele e cada ressurreição minha. Cada fase, cada perda, cada conquista, cada lágrima engolida, cada sorriso retirado do fundo da alma a fim de tornar a vida menos dolorosa, cada vitória um motivo para para comemorar em dobro... eu me vi naquele palco, contando minha história.
O espetáculo é uma lição de vida para todos, esclerosados ou não, pois fala de superação e de reinvenção da própria existência. Foi um grande presente, um presente maravilhoso que vou levar comigo e usar como inspiração para os momentos em que eu precisar me reinventar, outra vez.

Beijos agradecidos!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Quando a bagagem é pesada demais...




Um dia de trabalho exaustivo, o corpo cansado, o chegar em casa, um banho relaxante, uma boa noite de sono... e o corpo pronto, de manhã, para mais um dia de trabalho.
Uma virose daquelas de derrubar, dor no corpo inteiro, até os fios de cabelo doem, medicamentos, muito líquido... e o corpo recuperado para retomar a rotina diária.
Uma noite de insônia por um motivo qualquer, um rolar na cama de um lado pro outro, sonolência diária, uma noite de sono compensatória e, no dia seguinte, um corpo renovado.
Todos estão sujeitos a situações como essas e muitas outras que mexem com nosso corpo, com a nossa rotina e a nossa alma. Todos podem contrair doenças, ficarem exaustos por várias razões, mas, excetuando as doenças crônicas, são situações transitórias que passam após um período de tratamento ou descanso.
Eu tenho Esclerose Múltipla e minha fadiga não passa após uma noite de sono, minha dor não cede com analgésicos, minha insônia não se cura sozinha quando eu relaxo...
Eu não estou superestimando minha doença e os sintomas que ela me provoca em detrimento do que os demais seres humanos, enfermos ou saudáveis, sentem, longe disso... o que eu quero é que não menosprezem o que eu sinto, não comparem minhas dores com as dores dos outros, mesmo porque, dor não se compara. 
O que eu quero é que não digam que minha fadiga é sedentarismo, ou preguiça, ou um cansaço que umas horas de descanso e um banho podem resolver. 
O que quero é que entendam que a Esclerose Múltipla não tem cura conhecida e que o fato de eu aceitar isso não significa que não tenho fé, pois, se não tivesse fé na vida, nos dias em que não consigo achar posição para dormir de tanta dor, eu simplesmente desistiria e não me levantaria mais da cama
O que quero é que se conscientizem de que se eu fosse fraca como muitos acreditam, eu não me autoaplicaria uma medicação que, notadamente, me deixa pior no dia seguinte, que me provoca reações debilitantes, mas que por outro lado desacelera a progressão da doença. Se isso não é ser muito forte, o que é então???
O que eu almejo é nunca mais ser comparada com outros esclerosados, não porque os meus sintomas sejam piores ou mais importantes do que os deles, mas porque apenas somos diferentes, uma vez que a Esclerose Múltipla não evolui da mesma forma em todos que a possuem.
O que eu quero é que respeitem meus momentos de melancolia, de choro, de desabafo e que não me tachem de depressiva ou de negativa, afinal, eu sou tão humana como o restante da humanidade.
O que eu preciso é que não me olhem com piedade, mas sim, que me olhem com respeito e enxerguem o quanto eu luto para ficar o melhor possível, dentro do que é possível estar, carregando essa bagagem tremendamente pesada que se atrelou a mim.
O que eu necessito é de compreensão, de apoio e de poder viver meus momentos de desalento sem críticas, seja dos dito saudáveis, seja dos próprios companheiros de doença que, muitas vezes, como tenho visto, por terem esclerosado recentemente, por não terem reações aos medicamentos, por não terem sequelas, acreditam que a bagagem vai continuar sendo leve para sempre (de coração, espero que tenham razão nisso) e se sentem no direito de julgar os que já estão usando todas as suas forças para arrastarem a mala sem alça da Esclerose Múltipla.

Beijos doloridos e fadigados no coração de todos!